A cultura livre - Jovem de Expressão: Ceilândia de todas as artes
Com foco na formação cultural e empreendedora, instituição atende cerca de 1.500 pessoas ao ano, destacando-se entre as casas de mesmo formato no DF
Começa hoje a série de reportagens A cultura livre, que faz um mapeamento das casas de cultura fora do Plano Piloto. O objetivo é dar visibilidade aos pontos culturais feitos para e pela população periférica. Conheça hoje um espaço de extrema importância para Ceilândia.
Aos 45 anos, completados em março do ano passado, Ceilândia é uma cidade marcada por contrastes. A tradicional, dividida em setores como Norte e Sul, cresce exponencialmente com vista cada vez mais vertical, que pode ser registrada pelas telas dos celulares dos orgulhosos moradores. Imersos na vida tecnológica, cerca de 90% da população tem um aparelho, segundo a Codeplan. Uma grande parte tem tevê de última geração, carro novo e alguns se orgulham da casa própria, conquistada com o suor do trabalho.
No mesmo território encontram-se as duas maiores favelas do Distrito Federal, Sol Nascente e Por do Sol, que sofreu uma desocupação violenta das invasões nos últimos meses de 2016. Da população total, 72,12% não estuda. Imagens que parecem rivalizar fazem do povo de Ceilândia uma miscelânea multicolorida, regional, com história, sotaque, memória e tem vida. Onde vivem quase 500 mil pessoas, não haveria de ser diferente. Um povo que, alheio às dificuldades, faz da cultura da cidade uma referência cultural de todo o DF. Esqueça as notícias sobre a violência, se liberte dos clichês. Do cordel ao rap, os artistas de Ceilândia são exemplo de perseverança.
Situada a 26km de Brasília, Ceilândia Norte abriga o multifacetado coletivo Jovem de Expressão, com sede na Praça do Cidadão. Todos os projetos – que vão de oficinas culturais de dança, rima, desenho, discotecagem, contação de história, teatro e audiovisual até ações como terapia comunitária – são coordenados pela Rede Urbana de Ações Socioculturais (RUAS).
Com apoio da Caixa Seguradora, em parceria com Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) no Brasil e com a Unesco, o Jovem de Expressão, fundado em 2007, é um dos mais bem-sucedidos modelos de espaços culturais em funcionamento no quadrado do DF.
Exatamente por isso, foi um dos endereços mais citados pelos agentes culturais que recheiam as páginas do especial A cultura livre. Escondidos ou despercebidos do alcance da população, de maneira geral, os espaços são marcados por um gerenciamento horizontal, jovem e unificado. Todo mundo é alguém. A comunidade não apenas colabora, como, em alguns casos, garante o sustento daqueles que rejeitam aportes sindicais, do governo ou de partidos políticos.
Referência
Dos sete endereços visitados pela série A cultura livre, o Jovem de Expressão é dos menos ocultos. Grande parte por conta do alcance, que não se restringe à população de Ceilândia e se expande a outras cidades, como Varjão e Santo Antônio do Descoberto (GO). A logística do Jovem de Expressão se pauta pelo empreendedorismo social. Um exemplo? Ator e bailarino, Elmo Ferrer ministra oficinas de teatro e dança em uma das salas do espaço.
“Antes disso, fui aluno do curso dividido em módulos”, relembra. As primeiras aulas de artes cênicas no local deram origem à Cia de Teatro Barril, ainda em atuação, da qual Ferrer faz parte. A maioria do quadro de professores e coordenadores do lugar é composta por quem fez esse caminho.
O segredo é que, na base, a maior parte do conteúdo é ministrado por quem nasceu, cresceu ou viveu na cidade. “Não adianta chegar com investimento de milhões de reais se não tiver real ligação com o espaço. Sabíamos que na Praça do Trabalhador, onde estamos instalados, havia uma fonte de água. Ela foi tapada pela administração porque os moradores de rua tomavam banho nela, bebiam da sua água. Nesse sentido, a cidade pode ser perversa. Queremos representar o contrário, mediar conflitos e fazer da praça um lugar de todos”, explica Luiz Felipe Fiuza, coordenador de comunicação da RUAS.
“A cada três meses abrimos vagas para as oficinas. Cada turma nova cria um coletivo para ensaiar, treinar e por em prática os ensinamentos das aulas, que acontecem duas vezes por semana com 3 horas de duração”, complementa.
A parceria com o Laboratório de Empreendimentos Criativos – LECRIA consolida o trabalho da incubadora social, dando ferramentas para a complementação de renda. Até 31 de janeiro, por meio da 1ª Rede Coletivos de Expressão, será oferecido R$ 10 mil a 10 coletivos com mais de três membros na área cultural e de esportes que tiverem projetos inovadores, mas não sabem ou não têm dinheiro para executá-los.
“São projetos desenvolvidos por e para os jovens, usando a linguagem deles, tendo muita força nas redes sociais”, garante Rayane Soares, coordenadora local.
No Facebook, são divulgadas as próximas atividades e é dado o primeiro passo para quem pretende participar, como os cursos de verão, que encerram as pré-inscrições nesta segunda(2/1).
No YouTube, por exemplo, dá para conferir o videoclipe Transporte público, criação dos alunos de audiovisual para o cantor Rincon Sapiência.
Emancipação
Mais que estimular o viés lúdico e criativo de quem passa pelo local, os coordenadores pretendem dar aos alunos ferramentas de emancipação, inclusive econômica.
E ela pode ir da falta de recursos para tirar um disco do papel ao analfabetismo digital. No mesmo endereço pelo qual acontecem as aulas, há um laboratório digital com internet gratuita, mediante cadastro, das 10h às 18h, onde passam cerca de 500 pessoas, todos os meses.
No geral, o projeto forma 1.500 pessoas ao ano. Não há recepção, em uma comprovação estrutural de que as portas estão abertas para todos. Pode entrar.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Vinicius Nader