Casas de cinema
A sétima arte está por toda a parte nas residências de um trio de cinéfilos
Acervos e coleções não estão presentes apenas em museus ou nos arquivos particulares de estudiosos e artistas. Casas de pessoas não ligadas diretamente à arte podem se tornar verdadeiros templos dedicados aos temas de fascínio dos colecionadores. Seja por um grande número de filmes diferentes ou por uma coleção quase obsessiva, com contornos de devoção a uma obra, os numerosos acervos extravasam a influência de produções de cinema no cotidiano das pessoas.
Haja filme!
Se o “ouro” da produção cinematográfica “está lá atrás”, como defende o funcionário da Biblioteca Nacional Elton Brasil, ele tratou de buscá-lo. Em casa, ele guarda aproximadamente 6.500 filmes garimpados da mais diversa forma. Tudo saído de variadas décadas de produção internacional. Sempre interessado em listar diretores e atores, o colecionador brasiliense diz que, pela sétima arte, sempre manteve diálogos — “em grupos, desde o Orkut” — com pessoas obcecadas por cinema.
“O cinema sempre me ajudou a socializar”, observa Elton que, aos 40 anos, sabe, como ele mesmo diz, saborear os gêneros mais diversos — do faroeste ao terror, passando pelo drama e comédia.
Tendo como foco compartilhar o acervo pessoal — que inclui cópias do raríssimo O homem que nunca pecou (exibido na tevê a cabo, há 20 anos), Elton já protagonizou fatos pitorescos. Com o hábito de assistir a mais de 200 filmes por ano, ele encontrou espaço para propiciar sessões, em um ônibus vindo de Fortaleza, de Férias do barulho (1985) e de aventuras do agente 007. Noutra situação, comemorou aniversário num auditório, para projetar, aos convidados, o drama de guerra A 25ª hora, estrelado pelo ator preferido, Anthony Quinn.
Repassar o gosto pelos filmes das décadas de 1930 e 1970 — “o grande cinema já foi feito”, argumenta — ficará mais fácil este ano com a volta do projeto Cineclube BNB, a ser reativado na Biblioteca Nacional. O ambiente será palco para que Elton repasse o gosto e forme novos adeptos dos clássicos, ao estilo dos filmes que idolatra, entre os quais Selvagens da noite, Era uma vez no Oeste e Crepúsculo dos deuses, que, ao lado de títulos raros do faroeste e noir, foram adquiridos em livrarias e em viagens. “Artigos de luxo”, comemora.
Uma vida Star wars
A galáxia onde vivem Luke, Leia e Han Solo não é tão distante assim de Lucca L’Abbate. Todos os dias ao acordar, o historiador se depara com capacetes de stormtroopers, naves espaciais e o próprio Darth Vader em seu quarto. Sua coleção chega a ter 150 itens, entre miniaturas, camisetas e pôsteres de sua saga favorita.
A paixão começou cedo. Ainda criança, ele assistiu ao primeiro filme da franquia em VHS junto com seu pai. Aos 6 anos, viajou com os pais aos Estados Unidos e comprou a Millenium Falcon, nave do Han Solo e também a de Luke Skywalker, as primeiras peças do que viria a se tornar uma grande coleção.
Dezoito anos e muitos itens depois, Lucca explica que o acervo começou por acaso. “Nunca tive essa pretensão de me tornar um colecionador. Quase sempre, quando viajo, vou a livrarias, lojas de revistas, posso ver algo que me interessa e isso acontece com coisas do Star wars”.
Lucca cuida muito bem de sua coleção, costuma deixar os itens em algum lugar visível e os limpa todos os dias, para evitar o pó. Sua parte favorita é uma série de capacetes do Darth Vader, stormtroopers e também de pilotos da Aliança Rebelde e do Império, incluindo o clássico que Luke usou ao destruir a Estrela da Morte.
Com essa paixão presente desde a infância, Lucca explica o que mais o atrai na franquia. “O que eu mais gosto em Star wars é o impacto social, como une gerações e todo tipo de gente”. Ele ainda resume o seu amor pela saga. “É algo que me acompanha desde sempre, Star wars está na minha vida por mais tempo do que não esteve”.
Viva Glauber!
Instalado, desde a infância, o gosto do estudante de comunicação Gustavo Menezes pelo cinema foi despertado nas sucessivas sessões caseiras (em videocassete) da coleção da Disney. À medida em que amadurecia a paixão por filmes, ele se aproximava das obras do autor do livro que pairava como uma incógnita na biblioteca dos pais: uma obra assinada por Glauber Rocha. “Ficava impressionado com o tamanho do livro. Era coisa de criança. Hoje em dia, tenho vários livros dele”, observa o rapaz que, coincidentemente, é conterrâneo do ilustre baiano de Vitória da Conquista.
Há mais de 10 anos em Brasília, Gustavo obriga o irmão, nem tão cinéfilo, a dividir o espaço de casa, na 713 Sul, com as relíquias de cinema. Com a frente de estudos voltada para o audiovisual, Gustavo conta que comprou todos os filmes de Glauber Rocha lançados em DVD. Além de livros do mestre, cavou preciosidades como filmes documentais de Glauber vendidos no Museu de Cachoeira (Bahia). As fitas fazem par, na estante de casa, com obras de Humberto Mauro, que mesmo fora de comércio foram conseguidas por um colega pesquisador.
Livros teóricos de Jean-Claude Bernardet também são destaque na prateleira de Gustavo. “Entrevistei ele, em Brasília, durante o Festival de Cinema. Gostei muito; ele é praticamente um guru das minhas pesquisas em cinema. Lembro que ele criticou o cinema brasileiro atual, ‘muito esquematizado e certinho’”, diverte-se.
* Gabriel Shinohara, estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira