A cultura livre - Espaço Imaginário Cultural: Arte que une Samambaia

O lugar tornou-se ponto de encontro criativo e colabora para expandir e manter viva a cultura de Samambaia

Depois de passar por Ceilândia (Jovem de Expressão) e São Sebastião (Casa Frida), a série de reportagem A cultura livre, sobre casas de cultura fora do Plano Piloto, segue para Samambaia.


Imaginário Cultural... Este sugestivo nome é um dos símbolos da resistência artística em Samambaia. O espaço era um antigo centro comunitário, onde se entregava pão e leite para a população, na clássica política assistencialista dos governantes. Com o tempo, o centro transformou-se em um depósito abandonado e Marília de Abreu e Miguel Mariano, da cia. Roupa de Ensaio, viram ali a oportunidade ideal para o novo projeto.

O grupo arregaçou as mangas e reformou o local com as próprias mãos, construindo uma guarita de segurança, reformando salas, renovando a pintura das paredes e reaproveitando o que encontravam entre as ruas e lixões a céu aberto de Samambaia. Atualmente, o Imaginário conta com ampla sala de ensaios, escritório, mesas de reunião ao ar livre, espaço para oficinas de artes e portas sempre abertas à comunidade.

Na entrada do local, uma grande escultura de Santo Antônio, com cerca de quatro metros de altura feita pelo cenógrafo Miguel Mariano durante o período de festas juninas, recebe os visitantes. A fachada colorida mostra desenhos de artistas locais e busca tornar os muros cada vez mais convidativos para a comunidade. A ideia é fazer a cultura propagar entre o interior da casa transformada para o projeto e o exterior, repleto de gente que veio de diferentes estados para morar no Distrito Federal.

Alan Mariano, um dos produtores do Imaginário, lembra que o celeiro de artistas da cidade é forte e, sendo assim, o espaço busca dialogar sempre com os mais diversos estilos, suportes e propostas de manifestações artísticas. “Ter um espaço como esse em Samambaia é muito importante. Quando eu comecei a fazer teatro não tinha nenhum espaço público ou privado como esse na cidade. A gente acredita que a arte é transformadora, então ter um espaço em que ela pode ser semeada em solo fértil é essencial”, afirma o ator.

Marília Abreu levou a sério a vontade de propagar a cultura na cidade. A produtora conta que morou no Plano Piloto e se mudou para Samambaia em função do fazer artístico, que se fortalecia a partir da vontade de agitar ainda mais a vida da cidade que conheceu por meio da cultura. “A ideia do Imaginário Cultural era de ter um espaço onde pudéssemos ensaiar, receber outros grupos, fazer trocas e intercâmbios, receber e informar a cidade, auxiliar esse movimento local, que é muito grande, rico, diverso. Com a criação do Espaço, em 2011, nós conseguimos agregar mais artistas e moradores a esse movimento”, afirma.

O espaço acumula projetos que dialogam e abrem caminho para a criação artística da cidade e se empenham no propósito de possibilitar novas rotas para a produção cultural de Samambaia. Como por exemplo o Eixo Imaginário, que promove a ocupação do espaço e apresentação de grupos de forró toda quinta-feira; além de oficinas de teatro adulto e infantil, com sala aberta para ensaios de artistas, saraus de poesia e shows de músicos locais.

Os responsáveis pela manutenção das atividades são a atriz e educadora Marília Abreu, a atriz, diretora e produtora cultural Tássia Aguiar e o ator e dançarino Alan Mariano. A ideia de estabelecer um novo ponto de cultura veio da companhia Roupa de Ensaio, com forte trabalho em cultura popular, mamulengos e tradição teatral no DF, e do grupo Fábrica de Teatro, que se preocupa em  produzir obras artísticas que dialoguem com todos os campos de atuação do ator.

“O que eu percebo aqui em Samambaia é que existe uma grande efervescência de artistas mas existe uma dificuldade de empreender, de exercer somente essa atividade”, analisa Tássia. A produtora lembra que crescer e se desenvolver no processo de ser artista em uma cidade sem espaços, quando apenas o Plano Piloto parecia oferecer pontos de cultura, exige disciplina e dedicação. Quando Tássia chegou a Samambaia, não havia a possibilidade de se deslocar para o Plano apenas por opção, já que a região não tinha teatros. “Para ter acesso às ferramentas de pesquisa que existiam apenas no Plano e aos espaços culturais, você precisava ter algum recurso e tempo para se deslocar. Por isso é importante fomentar projetos locais, para que toda a população tenha essa oportunidade”, afirma.


A importância do incentivo local

A preocupação constante do coletivo é abrir cada vez mais as portas para os moradores da cidade. Entre os artistas, uma certeza aparece como opinião comum: a ampliação desses eixos de produção e circulação artística podem colaborar para o fortalecimento da identidade dos moradores de cada cidade e para o reconhecimento como espaço de criação, produção e fomento nas mais diversas áreas. “Quanto maior for a possibilidade de se fazer, receber, compartilhar a cultura, maior será o empoderamento dos moradores. A descentralização cultural ainda é tímida, mas nós trabalhamos para transpor essas barreiras, participando, sugerindo, reclamando e, principalmente, fazendo funcionar a arte por aqui. Acreditamos que, com esse trabalho e a união das forças, essa realidade mudará”, destaca Marília.

Tássia Aguiar conta que o grupo realiza oficinas, seminários e mesas de debate na cidade, além de incentivar que cada novo visitante convide alguém para conhecer o local. A ideia é que a criação interna dos artistas se expanda e reverbere cada vez mais no exterior da cidade. “É muito importante oportunizar crianças e jovens a esse acesso cultural. Esse é um ponto vital no desenvolvimento”.

“Manter um espaço cultural é muito difícil em nosso país, pois sempre estamos remando contra a maré. A importância do Imaginário está aí: na resistência para que um espaço frutifique em um meio hostil. E quando digo hostil, não me refiro somente à cidade de Samambaia, mas ao DF como um todo, fazer arte é uma guerrilha e no DF tem sido especialmente difícil”, afirma Marília.

Relação com a comunidade

Vale lembrar que a efervescência artística da cidade se reverbera em outros pontos de cultura, que já criaram sua tradição e constante presença no desenvolvimento das manifestações locais. É o caso do Galpão do Riso e do Sarau Complexo. Jad Teles, coordenador do principal sarau da cidade, conta que o projeto é uma reunião de diferentes vertentes da cultura e uma iniciativa livre de artistas que se uniram para reivindicar a construção de um complexo cultural na cidade. O Sarau Complexo já passou das 80 edições e acontece toda última sexta-feira do mês em um lugar diferente da região. “Nele são feitas as reuniões do Conselho de Cultura, que discute as pautas culturais da cidade em reuniões abertas. É só fornecer energia que nós levamos o sarau e a alegria de músicos, poetas, atores, artistas plásticos, palhaços, dançarinos e brincantes”, conta Jad.

Enquanto isso, Marcus Dantas, conhecido como Markão Aborígine, mora na cidade desde 1989, desde sua fundação, e conta que a família conquistou o direito à moradia após muita luta. Markão é estudante de serviço social e educador popular, sendo frequentador assíduo do Sarau Complexo e do Imaginário Cultural. Para ele, o espaço seria um dos cartões-postais da cidade e lá Markão já apresentou shows de rap e outras ações como o prêmio Samambaia Poética.

“O Imaginário é inspirador. Outrora era um espaço ocioso, abandonado, agora pulsa vida. Já estive com meus filhos participando do Festival Nacional de Mamulengo por lá, a primeira feira do livro da cidade fora realizada lá, além de inúmeros saraus, reuniões, oficinas e palestras. Acho que é um local que semeia possibilidades”, afirma.

Markão lembra que a cidade tem diversos espaços ociosos, entregues ao abandono e que poderiam ser utilizados para ocupação cultural, criação de cineclubes e oficinas de poesia. “Nós precisamos produzir cultura onde somos, onde vivemos”, sugere.

Outros caminhos

O movimento cultural unido e coeso dos artistas da cidade conseguiu os incentivos necessários para a construção do Complexo Cultural de Samambaia, que promete consolidar e ampliar ainda mais os espaços de criação da cidade.

Atualmente, elas já estão quase concluídas e o complexo contará com cinco salas para oficinas de dança, músicas e outras modalidades artísticas; além de galpão para múltiplas funções, biblioteca e uma tenda de 600 metros quadrados, que funcionará como anfiteatro.

A luta pela construção do complexo teve início ainda em 2007, quando aconteceu o 1º Seminário Regional de Cultura e criação do Conselho de Cultura de Samambaia. Na época, a estrutura e construção do espaço pareciam utopia. As construções já tiveram início e o espaço ficará na quadra 301, conjunto 5, Centro Urbano. O Complexo Cultural fica próximo do Espaço Imaginário e seus artistas produtores contam que já começaram a pensar em ações para dialogar com o novo ponto de cultura.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Vinicius Nader


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