A cultura livre - Espaço Cultural Ubuntu: Um ponto de encontro da juventude
Casa de cultura no Recanto das Emas utiliza a linguagem artística como forma de lazer e educação da população jovem da região
Com objetivo de dar visibilidade aos pontos de cultura fora do Plano Piloto, a série A cultura livre apresenta os espaços nas regiões administrativas do DF. Já falamos do Jovem de Expressão, Casa Frida, Espaço Imaginário Cultural e Galeria Pólvora. Hoje desembarcamos no Recanto das Emas para mapear mais um espaço.
“Onde o Estado está falhando, a comunidade está se organizando para criar espaços”. Assim o professor Francisco Celso, mais conhecido como Cisquin, define a recente explosão da criação de casas de cultura nas regiões administrativas do DF feitas por integrantes das comunidades. Ele, ao lado da mulher Marcilene Gomes (apelidada de Mama), e dos amigos Natália Cristina (coletivo Intervenção Poética), Silvio Rangel (Reflexo das Ruas) e DJ Rachel, decidiu criar uma também no Recanto das Emas.
Intitulado Espaço Cultural Ubuntu, o local foi inaugurado em setembro de 2016 em uma área comercial do Recanto das Emas, onde antes era um bar voltado para o público do rock. Mas foi em junho que começaram as ideias para abrir uma casa que tivesse como foco levar a linguagem artística até a população, principalmente jovem, do Recanto das Emas, que sofre com a falta de espaços voltados para arte, lazer e entretenimento. Na cidade não há cinema e o único teatro, H20, também foi uma iniciativa popular. “O Recanto é muito carente de espaço, apesar de ter vários artistas talentosos. O Ubuntu veio para preencher essa lacuna. Queríamos dar oportunidade àqueles artistas que estavam invisibilizados e usar a arte para acabar com o tempo ocioso da juventude”, explica.
Em junho, ao lado de Mama, Natália, Silvio e DJ Rachel, Cisquin montou o coletivo Ubuntu. No mês seguinte promoveram o Sarau Ubuntu no bar que meses depois se tornaria o espaço cultural. O dono do bar não teve como manter o local e, assim, Francisco e Marcilene decidiram administrá-lo. “Decidimos ressignificar aquele espaço, que, antes, era mais de curtição. A gente quis trazer mais a questão política, de debater os assuntos da cidade, os problemas, as demandas, as dificuldades… Pensando por meio da arte e em ser um espaço também de empoderamento da juventude preta e periférica”, define Francisco Celso. A própria comunidade e parceiros que militam na cultura de outras regiões administrativas ajudaram a pintar e a montar o local. Assim nasceu o Espaço Cultural Ubuntu.
Criação e organização coletiva
Localizado em uma área comercial na rua principal do Recanto das Emas, o Ubuntu é um local pequeno, mas repleto de espaços artísticos para o público e que exala a cultura urbana. Nas paredes, estão grafites feitos pela população e a imagem de uma árvore que representa a mensagem de união, que também está inserida no conceito da palavra Ubuntu. “É uma filosofia africana que dialoga com o conceito de cidade planetária. Ou seja, eu não sou nada sem você. E você não é nada sem mim. Como tudo aqui surgiu de forma colaborativa e da coletividade, o nome parece pronto desde o início”, explica.
O Ubuntu tem quatro espaços principais de cultura. O espaço literário foi batizado em homenagem a escritora Cristiane Sobral, carioca radicada em Brasília, e abriga duas geladeiras com livros e uma árvore com poesias. O palco, onde ocorrem os shows e os saraus, ganhou o nome de Aviso às gerações em alusão a uma música do rapper Gog e também tem uma poesia do escritor baiano Nelson Matta em homenagem ao Recanto das Emas. “Queríamos dar as rosas em vida e homenagear os nossos, as pessoas que militam na periferia”, completa Cisquin. Além disso, há a loja ao centro, que recebeu o nome de De favela pra favela, por comercializar apenas produtos feitos na periferia, como artesanatos, livros, CDs, perfumes, quadros e serigrafias. E o último espaço é o bar, que fica responsável pela rentabilidade do local. “O serviço de bar e lanchonete foi feito para girar um dinheiro e manter o espaço sustentável para arcar com as despesas de luz, água, aluguel”, explica o idealizador.
O bar é o principal sustento do Espaço Cultural Ubuntu. Porém, ainda não é suficiente. Como o espaço é recente, ainda não teve oportunidade de participar de editais públicos, apesar de ser uma possibilidade no futuro, segundo Francisco Celso. “Eu e minha esposa fazemos por paixão. Desde 2013, organizamos saraus na garagem de nossa casa. Como educador, parafraseando Fernanda Montenegro, vejo que a educação é um esqueleto e que precisa da musculatura para se sustentar. Essa musculatura é a cultura. Sempre busquei trabalhar nas minhas aulas a linguagem artística porque ela toca mais as pessoas, ela atravessa. Vejo que é uma forma mais atrativa para essa juventude. E às vezes a escola é menos atrativa do que a rua. Toda cidade tem que ter um espaço atrativo para o jovem”, defende.
Pensando nisso, o local tem atividades fixas e outras esporádicas. A primeira é o Sarau do Ubuntu, que até o ano passado, teve seis edições, sempre na segunda sexta-feira de cada mês. Às terças, quartas e quintas, o Ubuntu recebe uma oficina de break, e às quartas, a casa se preenche com a batalha de rimas. Fora isso, todo mês há lançamentos de livros e CDs, shows e oficinas de formação e capacitação. “A comunidade está cada vez se apropriando mais desse espaço. A ideia é que eles se sintam pertencentes”, comenta Cisquin.
Apesar do pouco tempo de existência, o Espaço Cultural Ubuntu já conquistou parte da população do Recanto das Emas e também tem o respeito de outras regiões administrativas. Para Francisco Celso, a repercussão é importante por trazer frutos para o Recanto das Emas e também para as outras cidades. “Vai permitir uma visibilidade maior dos artistas da cena cultural periférica”, analisa.
Conheça as atividades
Sarau Ubuntu
Realizado desde junho, em dezembro chegou à sexta edição. O sarau foi idealizado para unir diversas linguagens artísticas, com poetas e poetisas, além de artistas da música de ritmos como coco, rap e rock. Além disso, o microfone fica aberto para a população que pode recitar poesias, fazer uma intervenção ou até cantar. Edições sempre na segunda sexta-feira de cada mês. É um espécie de filho do Sarau da Falsa Abolição, que era realizado em 2013 pelo casal Francisco Celso e Marcilene Gomes.
De favela pra favela
A loja colaborativa do Espaço Cultural Ubuntu serve para comercializar os produtos criados e idealizados por moradores das regiões administrativas do DF. A ideia é fazer o dinheiro girar na periferia. Entre os produtos expostos estão camisetas e CDs dos rappers Viela 17 e Gog, além de obras artesanais, serigrafias, perfumes, quadros e livros.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Vinicius Nader
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