O que pais precisam saber sobre transexualidade?

A psicóloga Ingrid Quintão, do espaço Vêr-te-se, responde algumas das perguntas mais comuns entre pais que têm um filho ou uma filha trans

Correio Braziliense

Tira-dúvidas

Luisa Ikemoto

Como um jovem pode ter certeza de que é transgênero?

Assim como temos certeza da nossa cisgeneridade, a pessoa trans também pode ter essa certeza. Hoje, no Brasil, ainda há a necessidade de laudos e confirmações técnicas de especialistas, com uma demanda, muitas vezes, de enquadramento em campos de preconceito e exclusão. Mas sabemos que a maior confirmação é o bem-estar das pessoas. As pessoas trans não se identificam com o gênero de nascimento, e isso causa dor e sofrimento quando não são escutadas. Quando fazem a transição, em sua grande maioria, elas relatam melhor qualidade de vida, apesar dos imensos preconceitos sociais enfrentados. Existe maior potência que o enfrentamento desses desafios? Na verdade, a maioria das pessoas trans diz ter percebido algo em desacordo, que a incomodava desde a infância, mas muitas vezes não conseguiu traduzir esse sentimento ou não teve coragem de expressá-lo. Assim, podemos dizer que a certeza vem da certeza de quem sente.

Como saber se a criança realmente é transgênera ou apenas não se ajusta a certos padrões?

Na verdade, o segredo é a escuta atenta das crianças. Muitas vezes, elas não se adaptam aos padrões estabelecidos pela sociedade do que é para menina e do que é para menino. O que chama a atenção para a transgeneridade é o sofrimento da criança com o gênero de nascimento. Muitas traduzem o sofrimento em tentativas de automutilações, se escondem para não aparecerem em público caracterizados de acordo com o gênero de nascimento, crescem odiando o corpo. Logo, existem indícios que vão se confirmando ao longo do tempo, que, quando são compreendidos pelos adultos, trazem menos desconforto para as crianças.

As pessoas ainda confundem identidade de gênero com orientação sexual. Afinal, qual é a diferença?

Confundem muito, e é bastante importante esclarecer. Identidade de gênero se refere à identificação com o masculino ou o feminino, construídos histórico e culturalmente. As pessoas que se identificam com o gênero de nascimento são denominadas cisgêneras, e as que não se identificam são transgêneras. Nesse caso, a pessoa se enxerga de forma diferente da que nasceu. É importante esclarecer também que as pessoas trans podem transitar entre as duas maneiras, masculino e feminino, o que chamamos de não binárias.

Quando falamos de orientação sexual, nos referimos ao desejo, ou seja, para quem orientamos o nosso desejo. Se for orientado a pessoas do mesmo sexo, estamos falando de homossexualidade, se for para sexo oposto, de heterossexualidade. Logo, uma mulher trans, que nasceu com o sexo masculino e fez a transição para o sexo feminino, pode destinar o seu desejo sexual e afetivo a um homem ou a uma mulher, podendo assim ter uma orientação sexual hétero (com um homem) ou homossexual (com outra mulher).

Os pais devem temer que o filho ou a filha “mude de gênero” e depois se arrependa?

Isso não é uma constante, muito provavelmente não vai acontecer. Algumas pessoas defendem que é apenas uma fase, mas a experiência mostra que o sentimento de identificação com o sexo oposto aumenta com o passar do tempo. Na verdade, essas crianças dizem que estão presas em um corpo errado, o que lhes causa dor e constrangimento durante toda a vida. Não há relatos de que o arrependimento causou mais consequências ruins do que a não vivência da transgeneridade. O ideal é sempre o acompanhamento incondicional da família e o suporte psicoterapêutico responsável.

Qual é o momento ideal para iniciar o tratamento hormonal?

Um médico especialista deve responder essa pergunta porque envolve diversos aspectos fisiológicos e hormonais que devem ser bem avaliados. O que posso dizer é que o tratamento hormonal e qualquer outra intervenção deve ser feita de acordo com a necessidade e o desejo de cada pessoa.

E o caso da cirurgia, como fica?

A cirurgia de redesignação sexual, ou seja, de mudança das características sexuais, apenas deve ser realizada quando há expressa vontade da pessoa. Essa questão no Brasil ainda é pouco divulgada e de difícil acesso. Um ponto importante é que nem todas as pessoas transgêneras desejam se submeter a intervenções cirúrgicas, e isso não as torna menos mulheres ou homens, porque a questão, como já dito, está relacionada à identificação que se tem com o gênero feminino ou masculino.

Como trabalhar a discriminação?

Seria de extrema utilidade que todos os pais, mesmo os que não têm filhos trans, dialogassem com seus filhos sobre essa questão, porque se sabe que a maioria das manifestações preconceituosas, de desrespeito e discriminação, partem de uma juventude tomada por ódio e desconhecimento. O ensino de valores éticos em casa é fundamental para que pessoas não sejam mais humilhadas, agredidas e até mesmo assassinadas por sua identidade de gênero. Esse é um tema que deve ser discutido e difundido porque é uma realidade que foi, por muito tempo, escondida. O que acontece é que não se fala sobre esse assunto em casa ou nas escolas, e muitas pessoas crescem olhando para os trans como aberrações. O ideal, para uma sociedade de paz, é a informação e o consequente extermínio de preconceitos.

Como apoiar um filho trans?

Converse com seu(sua) filho(a). Não se enfrenta nada a distancia. É importante tentar compreender os motivos dele(a) em ter ou não falado a respeito. Busque especialistas, informações e pessoas ou famílias que estejam passando pelo mesmo processo para possíveis trocas de experiências. O isolamento não é o melhor caminho.

Muitos pais se cobram e se sentem mal por não conseguirem apoiar os filhos como gostariam. É normal precisar de tempo para compreender a situação?

Muitos pais podem estar ancorados em preconceitos ou ideias estereotipadas perpetuadas na nossa sociedade, logo, pode haver dificuldade de comunicação em relação a essa questão, até porque é comum que as pessoas em transição também não saibam como se comunicar da melhor forma.

Sentimentos de traição, medo e luto se misturam entre os membros da família, mas, quando há o desejo de apoio ao filho ou à filha trans, é essencial que os pais tentem deixar que eles expressem seus desejos. Mas é claro que tudo isso requer tempo de elaboração e superação de uma possível fase de negação dos pais. A família também deve ser acolhida e escutada. Se existisse uma fórmula, diria que é afeto e diálogo. Quando há dificuldade de conversar, indicamos a terapia familiar, que tem se mostrado bastante eficaz como um espaço de expressão saudável da família.

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