Os nus de Athos

Nus e matrizes de fotomontagens são exemplares únicos e raros

A geometria é um dos aspectos mais conhecidos da obra de Athos Bulcão. Os padrões de azulejos estampam as paredes de Brasília e são facilmente reconhecíveis. Em seguida, vêm as máscaras, aqueles rostos de lábios grossos e olhos marcados esculpidos em relevo sobre as telas. É um aviso do apreço do artista pelo carnaval, um sentimento que fica mais forte nos desenhos de figuras surreais entrelaçadas, de brincantes fantasiados de Pierrot e Arlequim e nas pinturas. Há nus no meio de toda essa folia, mas eles não são tão explícitos quanto aqueles que o artista realizava no ateliê. Athos gostava de desenhar modelo vivo. E gostava de nus. Não fez muitos, mas o suficiente para despertar a curiosidade para o tema.

Uma prática de ateliê, geralmente utilizada para aperfeiçoar o traço, os desenhos de nus assinados por Athos guardam alguns mistérios e são, praticamente, inéditos. Alguns foram mostrados em uma retrospectiva do artista no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em 2000. Mas a maioria permanece guardada em acervos de amigos e pessoas próximas, como o de Valéria Cabral.

Athos morreu em julho de 2008, 29 dias depois de completar 90 anos. Antes, deixou para Valéria um lote oito nus. Um deles é uma preciosidade: trata-se de uma mulher, desenhada em 1948, quando o artista, na época com 30 anos, estudava Belas Artes em Paris. “No total, ele só fez três mulheres. E eu tenho uma”, explica Valéria, que é secretária-executiva da Fundação Athos Bulcão e foi muito amiga do artista em suas últimas décadas de vida. Os outros nus retratam homens, provavelmente modelos que posavam para o artista no ateliê. Valéria não tem muito detalhes das circunstâncias nas quais foram produzidos, mas se lembra de Athos contar sobre sessões de desenhos no ateliê de Carlos Scliar, no Rio de Janeiro. “Nunca conversamos muito sobre esses desenhos”, diz a colecionadora.

Entre as obras, uma merece destaque: um índio, com roupas, acessórios e cabelos típicos, ganhou a atenção do artista e rendeu um desenho curioso. “Acho esse desenho engraçado”, diz Valéria. “No meio disso tudo, aparece um índio. Onde ele arrumou esse índio para posar? Onde ele estava? Será que maquiou alguém?”, especula.    

Matrizes únicas

Outra preciosidade de Athos Bulcão está hoje pendurada nas paredes da sala de jantar da arquiteta Déborah Pinheiro. Há cerca de seis anos, ela recebeu um telefonema do galerista Celso Albano com a notícia de que ele colocaria à venda um lote de 16 matrizes das famosas fotocolagens realizadas por Athos nos anos 1950. Eram folhas de papel ou de revistas com recortes de outras revistas que o artista montava antes de fotografar e dar forma ao trabalho final. Ali, se vê nuances de cores diferentes, já que as matrizes eram feitas com diversos recortes, mas também se percebe o cuidado do artista com as proporções. Athos criou  cenas surreais para as colagens, mas toda são proporcionais e, por mais bizarras que possam parecer, é possível imaginá-las no cenário proposto pelo artista. “As matrizes me interessaram muito porque não são o óbvio”, explica Déborah. “Volta e meia eu olho e vejo que não tinha percebido algo.” Junto com o material, ela adquiriu ainda um conjunto de 18 imagens que o artista usou como teste para as primeiras tiragens do trabalho.

As matrizes ficaram guardadas durante anos com o fotógrafo Carlos Moscovics, que realizou as fotografias finais. Athos não chegou a considerar esse primeiro passo das fotomontagens como obras acabadas, por isso nem fez questão de ficar com os originais. Há seis anos, quando Moscovics morreu, o filho Luís resolveu se desfazer do material. Déborah ficou encantada. Conhecia algumas fotomontagens porque havia visto os exemplares em exposição e sempre achou curiosa a maneira como o artista trabalhava. “Na hora que ele colava as imagens, já buscava uma interação entre a imagem e o papel. E criava essa coisa meio onírica, de um sonho”, conta a arquiteta.

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