Teatro candango de exportação

Nas artes cênicas, nomes consagrados da capital levam a cultura do DF para fora

A força do teatro brasiliense resiste aos anos, se reinventa com a falta de espaços e produz suas próprias criações na ausência de facilitadores. Nomes consagrados da capital mostram que a cena local tem potencial para alcançar diferentes regiões do país, dialogar com o público das mais diversas idades e possibilitar a reflexão por meio de diferentes linguagens.

A experimentação dos jovens grupos, a presença cênica dos veteranos, a criatividade e a luta dos palcos periféricos e a ansiedade de compartilhar as ideias com o público são alguns dos pontos de destaque da produção que se consagra na tradição cultural brasiliense.



Grandes nomes, como os dos diretores Hugo Rodas e Irmãos Guimarães, foram responsáveis por criar um espaço de expansão de ideias e constante aprendizado. Além desses, nomes tradicionais como o da atriz Dulcina de Moraes trataram de abrir os espaços para a cultura da cidade que iniciava o caminho cênico.


Atualmente, com características mambembe e criação feita em família, a Cia. Os Buriti viajou os quatro cantos do país para se apresentar. O ônibus colorido já carregou figurinos, bonecos, cenários, instrumentos, muita música e história para cidades grandes e pequenas, centros culturais e espaços escondidos no interior do Brasil.



Enquanto isso, a capital destaca-se em território nacional com os gêneros de musical e de comédia. A Cia. Os Melhores do Mundo, com o talento para o humor e a relação despretensiosa com temas atuais, ganhou o aplauso de plateias lotadas em teatros pelo Brasil. Unindo os talentos cênico, musical e rítmico, brasilienses despontaram durante experiências na capital e em grandes produções musicais no Rio de Janeiro, em São Paulo, na Alemanha e em outros países.

A Escola de Teatro Musical de Brasília, espaço tradicional para os apaixonados pelo gênero no Distrito Federal, exporta artistas que têm construído sólida carreira em montagens profissionais. Assim, percebemos, que se por vezes lhes falta espaço apropriado e palcos tradicionais, sobra ao artista brasiliense o talento, o esforço e o profissionalismo necessários para levar a criação cênica da capital para todo o país.


Força e profissionalismo

Hugo Rodas conta que suas últimas turnês com os espetáculos Punaré e Baraúna, e Ensaio geral tiveram grande êxito. No entanto, o diretor se mostra desanimado com o tamanho das temporadas na cidade e a dificuldade em manter grupos teatrais.

“O teatro no qual acredito é este, feito por grupos, e é cada vez mais difícil mantê-los na capital. A gente ainda vê muito dessa centralização no Rio de Janeiro e em São Paulo. Quem consegue viver de teatro por aqui é quem trabalha com inúmeras coisas ao mesmo tempo”, lamenta.

O consagrado artista cênico lembra que a cidade continua a produzir excelentes atores e atrizes, que acabam por encontrar seu espaço profissional em outras cidades.

“O sucesso que tivemos com nossa última turnê em São Paulo foi tão grande que três atores do elenco estão na próxima montagem do teatro Oficina, do diretor Zé Celso. É muito difícil, mas eu amo o que faço, não saberia viver de outra maneira”.

Entre os atores formados em seus espetáculos e na Universidade de Brasília que integram atualmente o elenco do Teatro Oficina estão: Túlio Starling, Camila Guerra e Clarisse Johansson. O brasiliense Kael Studart também se juntou ao palco de Zé Celso.


A criação constante possibilita o surgimento de produções potentes, como Adubo, ou a sutil arte de escoar pelo ralo, protagonizada por atores talentosos como Juliano Cazarré e Rosanna Viegas. O espetáculo rodou o país e permaneceu em cartaz durante anos. As diferentes narrativas que falam da morte trouxeram à tona o potencial e a explosão dos atores iniciantes.

O teatro no qual acredito é este, feito por grupos, e é cada vez mais difícil mantê-los na capital. A gente ainda vê muito dessa centralização no Rio de Janeiro e em São Paulo. Quem consegue viver de teatro por aqui é quem trabalha com inúmeras coisas ao mesmo tempo

Hugo Rodas


Na época da estreia, em 2005, o ainda jovem grupo escreveu seu texto e iniciou uma trajetória por aproximadamente 50 cidades brasileiras.

Rosanna Viegas, uma das integrantes do elenco do famoso espetáculo dirigido por Hugo Rodas, conta que já se apresentou em cerca de 70 cidades do país, com peças diversas, e encontrou nessas viagens uma grande força para a profissionalização. “É uma profissão em que tem que se estar disposto a aprender sempre, senão enferruja”.

Humor e talento

Representando a força do humor na capital, entre grupos como G7, Setebelos e De quatro é melhor, a Cia. Os Melhores do Mundo marca presença Brasil afora. Adriana Nunes, uma das integrantes, acredita que a cidade está bem representada em festivais, produções de tevê e cinema e entre os palcos. A capital se estabelece por sua própria condição de cidade nova, com gerações vindas de diferentes regiões, formando um caldeirão de possibilidades criativas.

“Sempre fizemos as peças para Brasília. E temos um público diferenciado aqui, altamente crítico e inteligente. As peças que circulam no país passam por uma adaptação das referências locais”, conta a atriz. As constantes viagens tiram o grupo da zona de conforto e possibilitam a criação de novos processos. “As pessoas vão ao teatro, muitas vezes, pela primeira vez para ver uma comédia. E o teatro ganha com isso. Essa pessoa é público e vai procurar outras experiências assistindo a outros espetáculos”.

Musicalidade e inovação

Reconhecida por seus talentos bem preparados para o teatro musical, a capital ganhou fama no gênero ao ter seus artistas no palco das grandes produções do país. Mateus Ribeiro, que preparou sua carreira aqui, observa que, atualmente, há brasilienses em quase todas as produções musicais do país. “O que ainda falta são companhias e espetáculos de Brasília fazendo temporada fora da capital e, assim, levando o nome da nossa cidade. Precisamos criar o interesse das pessoas pelo que acontece em Brasília”.

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Duas Perguntas para Rosanna Viegas, forte nome do teatro brasiliense, trabalha atualmente com artes cênicas no Rio de janeiro e em produções cinematográficas.

Como foi a transição da carreira teatral em Brasília para a carreira nacional?

Foi sem planejamento. Adubo e o Rinoceronte fizeram muito sucesso em uma Mostra Do Teatro Candango no RJ. Já eram espetáculos premiados em festivais e conseguimos um bom acolhimento, chegando a ter a presença da Fernanda Montenegro e carta de recomendação dela. Com isso, uma agente quis ser minha empresária e quando já tinha voltado para Brasília ela me chamou para passar uma semana fazendo uma oficina com o João Fonseca. Foi aí nasceu o Pão com mortadela, que circulou por todo o Brasil. Essa empresária só foi um acerto no começo. Depois caiu a ficha de como era difícil se manter na profissão fora de casa. Paciência, perseverança e persistência são as chaves. Estou em cartaz no RJ com o espetáculo musical Uísque com água. Em Brasília geralmente volto para fazer cinema.

  • O que encontrou de diferente entre a cena teatral brasiliense e a carioca?

Quando cheguei no Rio de Janeiro tive muitos sustos do quanto se gastava para fazer uma peça aqui. O valor do aluguel do teatro, a grana do marketing, propaganda em ônibus, anúncio no jornal, a diferença dos cachês. Na minha época em Brasília eu fazia espetáculo muitas vezes sem fomento, na raça mesmo. Quando tinha dinheiro era quase nada. Não sabia direito o que era cachê. Ficava pouquíssimo tempo em cartaz, ficar um mês era quase impossível. A classe artística não pode ficar dependente só do FAC. Esse fundo é vital para os artistas, para a realização cultural da cidade, é óbvio. O que eu quero dizer é que devemos ficar atentos em não só realizar espetáculos e sim criar obras de arte. Vejo também um enorme descaso do governo atual com a cultura. É um crime o que estão fazendo como teatro nacional, absurdo como estão desmantelando todo os centros culturais.

Duas perguntas para Mateus Ribeiro, ator de teatro musical consagrado em grandes produções de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.


De onde vem a força e o sucesso dos artistas da capital em produções de teatro musical em outras cidades e países?

O Teatro Musical só não é dos pontos mais fortes em Brasília por que faltam investidores. Mas acredito que é um dos que mais exporta artistas pra outros estados. Brasília tem ótimos professores e escolas pra quem quer aprender o gênero, mas ainda vem ganhando lentamente espaço com produções profissionais. Acredito que essa força venha exatamente desses profissionais que ai lecionam, como também por termos um espaço para nos testarmos sem sermos analisados.

Eu acredito que a exportação tão frequente de artistas brasilienses pro eixo Rio-Sp acontece muito por conta da falta de oportunidades profissionais na capital. Os artistas que realmente querem trabalhar em melhores condições têm que estudar muito pra conseguir passar em produções grandes fora da capital. São artistas que evoluem diariamente, sem que as pessoas do eixo Rj-SP conheçam, e ai quando surgem bem preparadas são vistas como ótimas surpresas.

  • Com a sua experiência de fora, como fazer o mercado local se movimentar e se ampliar mais, atraindo novos espectadores e artistas?

Nós como artistas precisamos criar um público que frequente o teatro, que é algo que demora um tempo, sendo necessário entender não só o que queremos fazer quanto artistas, mas também o que o público quer ver. Precisamos entender a carência cultural da população. Não dá para enfiar goela abaixo tudo que queremos. O público, muitas vezes, não está preparado e muito menos disposto a ver algumas produções. Mas é possível começar ao pouco, oferecendo aquilo absorbem melhor, para conquistar esse público e aí sim experimentar gêneros e estilos que eles antes não procuravam. Infelizmente o brasiliense não tem muito costume de ir ao teatro. A população tem que valorizar mais a arte local, e acho que isso vai desde a educação na escola.

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