Um piano diferente
Pianolas são acionadas por pedal e são instrumentos muito raros
A pianola é um instrumento raro e, certamente, um dos mais curiosos no universo da história do piano. Foi fabricado em uma curta janela de tempo, entre 1890 e 1930, e não chegou a substituir os pianos tradicionais, embora tenha sido motivo de uma pequena febre no início do século 20. Esses pianos movidos, primeiramente, a pedal e, mais tarde, a energia elétrica, permitiam que houvesse música nos ambientes mesmo sem a presença de um pianista.
Quando deixaram de ser fabricadas, tornaram-se objetos raros e de colecionadores. Por isso Rogério Resende ficou encantado quando descobriu a história desses pianos movidos a foles de ar que tocam músicas a partir de um rolo de partitura perfurado. Pianista, afinador e colecionador, Resende saiu pelo Brasil e pelo mundo em busca das pianolas. Conseguiu reunir cinco exemplares, hoje guardados na Casa do Piano e no caminhão que abriga o Museu do Piano. Quatro são de fabricação alemã e uma, norte-americana. “Elas têm a ver com a indústria do piano e como eu queria contar a história dessa indústria, eu não podia deixar de ter algumas”, conta. “Fiquei fascinado pelo funcionamento. Quem não fica? É tudo mecânico!”
Conseguir as pianolas foi difícil, mas elas de nada serviriam não fossem os rolos de partituras. Eles são formados por longas faixas de papel vegetal perfuradas com as notas a serem lidas pelo instrumento e transferidas para a máquina do piano graças a um sistema de foles. São objetos muito frágeis e difíceis de encontrar, já que sua fabricação ficou restrita ao início do século 20. A maior parte conta com quase 100 anos de existência. As partituras eram gravadas por grandes pianistas e o tempo é marcado na própria pianola.
Resende conseguiu reunir uma coleção de 500 rolos. “Consegui até o Hino Nacional do Uruguai”, conta o colecionador. “As partituras contemplam muita música erudita, ópera e música popular. As norte-americanas vêm até com letra. E essas partituras são o início dos cartões perfurados de computador”. Entre as preciosidades guardadas em estantes projetadas especialmente para receber os rolos, está um método de ensino de piano por meio da pianola. O material era destinado a autodidatas, a quem quisesse aprender piano sem necessitar de um professor. E há ainda um detalhe curioso: boa parte das partituras são de músicas executadas a quatro mãos. Afinal, se é para ser mecânico, que a sonoridade seja incrementada com recursos próprios do piano.
As pianolas são também objetos frágeis e sensíveis. Funcionam à base de ar e movimento da madeira. Quando chega a seca brasiliense, elas ficam mudas. Resende não sabe ao certo o porquê, mas acredita que tenha a ver com a umidade do ar quando passa pelos foles. “Quando quero que funcionem na seca, preciso colocá-las numa piscina com água bem rasa e deixar um dia inteiro”, revela.
Rogério Resende também é dono de um pequeno e singelo instrumento tão curioso quanto os pianos que tocam “sozinhos”. Há alguns anos, ele recebeu um telefonema de uma pessoa que queria vender um clavicórdio em Belém (PA). Graças a uma rede de amigos, Resende recebeu em casa o instrumento em mogno de marca Walter Merzdrofer Sohne, datado de 1920. Ele teria pertencido a um padre alemão que veio para o Brasil na primeira metade do século 20. “Eu nunca tinha visto um clavicórdio e não tem outro em Brasília. Ando por aí afinando instrumentos há 40 anos e nunca vi nenhum aqui na cidade. É muito raro”, garante.
O clavicórdio é o precursor do piano. Tem um sistema de hastes semelhantes a uma chave de fenda que tocam conjuntos de três cordas quando as teclas são acionadas. São, no total, 40 teclas, menos da metade de um piano comum. O som frágil e pouco volumoso se esvai no ar em questão de milésimos de segundos. É preciso um ambiente muito silencioso para se escutar o efeito. Esses instrumentos eram muito comuns no século 15 e foram inventados em 1404. Muitos compositores do Renascimento, Barroco e Classicismo escreveram para o clavicórdio entre os séculos 16 e 18.