Bolo, café e muita prosa! As famílias que Brasília uniu nos anos 1970
Eles viram Brasília ganhar forma de cidade grande nos anos 1970 e a amizade vem desde essa época. Conheça a história das famílias de João Pedro e Helena Corte Real
Arthur de Souza
Vizinhos desde 1974, as famílias de João Pedro, 91, e Helena Corte Real, 79, se consideram como uma. Nos quase 50 anos de amizade, eles dividem muitas histórias e uma tradição que foi estabelecida há cerca de nove anos, “a tarde do bolo”.
“Estamos sempre levando essa vida boa”. É assim que o militar aposentado João Pedro descreve a história da amizade que possui com a família de Helena Corte. Os dois são os atuais “comandantes” de uma família alegre e brincalhona, que abriu as portas para o Correio e contou um pouco das aventuras vividas durante os 48 anos de relação entre os moradores do Bloco A, na 313 Sul. “Conheci a dona Helena e o José Reis, seu marido, quando eu e minha família recebemos este apartamento. Foi um dia muito alegre, e essa felicidade correu durante todo o período de convivência. Nunca tivemos uma pequena desavença”, afirma João.
Helena relembra que, antes de o marido falecer, ele ia até a casa de Pedro todos os dias, sempre nos fins de tarde, para tomar café. “Isso era religioso. Na época, era apenas o café e muito papo”, brinca. Ela diz que cerca de dois anos depois da morte de José Reis, em 2013, encontrou com João no elevador do prédio. “Ele perguntou se eu queria comer um bolo na casa dele. Lembro-me que era uma quinta-feira e foi daí que criamos a tradição de fazer a tarde do bolo todas as quintas”, afirma Helena. “E é só o bolo. Não tem enfeite, nem cobertura. A única coisa que varia é o sabor. Às vezes, sai um de cenoura, outras de banana”, reforça João. Entre risos, ele relata situações que já viveu com a amiga por conta da reunião semanal. “De vez em quando, a minha empregada muda o jeito de fazer, daí ele murcha, e eu digo para a Helena: ‘Hoje não deu muito certo’. Não tem bolo, mas tem prosa”, ironiza.
Muita história para contar
Filha do “seu” João, Raquel Villela, 58, destaca que, além da relação entre os dois, sua mãe (Joana) e Helena tinham uma amizade maravilhosa, sendo amigas inseparáveis. Algo que é confirmado pela aposentada de 79 anos. “A Joana era uma companheirona. Fizemos o enxoval dos netos juntas. No começo, ela não era tão esperta para o tricô. Mas, certo dia, ela me viu fazendo e quis aprender, aí ensinei para a Joana, que acabou ficando craque”, aponta Helena, que também conta um pouco das viagens que os casais costumavam fazer juntos. “Uma vez, fizemos uma espécie de excursão. Fomos para Ouro Preto, Mariana, Serro, Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras. Em outra viagem, nós fomos para Goiás Velho, no período em que acontece a Procissão do Fogaréu. Lá, fizemos até fotos segurando a tocha”, lembra.
Para Helena, os momentos mais marcantes e engraçados desta última viagem foi o momento em que decidiram fazer a viagem. “Meu marido resolveu, da noite para o dia, ir para lá (Goiás Velho). Falou com o João e ele topou. Quando chegamos lá, não estávamos conseguindo encontrar hotel. Depois de muita procura, conseguimos encontrar um quarto, onde dormiu nós quatro. Foi uma confusão só”, detalha aos risos.
A família também lembra das personalidades nada parecidas de João Pedro e José Reis. Raquel comenta que, pelo fato de o pai ser militar, ela e os irmãos tiveram uma criação mais rígida. “Na época de escola, se a aula começava às 7h30, meu pai saía comigo, meus irmãos e os filhos da Helena bem cedo, chegando na porta do colégio às 7h10”, destaca. “Enquanto isso, ‘Zezinho’ — que era contador — tinha uma personalidade oposta. Totalmente tranquilo, parava para conversar com todo mundo e, como era ele que nos buscava na saída, éramos os últimos a sair da escola. No caminho para casa, ainda parava com a gente para tomar um caldo de cana”, recorda.
Helena confessa que, até hoje, não entende como os dois se davam bem. “Acho que dá para dizer que, também na amizade, os opostos se atraem”, brinca. “Até a minha relação com a Joana era assim. Uma filha da Raquel disse, certa vez, que os casamentos estavam errados, e que na verdade, deveria ser eu com o João e a Joana com o meu marido”, conta às risadas.
Criançada travessa
Entre os assuntos da conversa, Helena e João lembram dos momentos em que seus filhos foram personagens principais da longa história entre as famílias. “O Paulo (João Paulo), filho da Joana, ia para a minha casa quando era criança e ficava assistindo televisão comigo, na cama. Quando a Joana chegava lá, falava: ‘Não é possível, esse menino aqui!’. Mas não tinha jeito”, destaca. José Augusto Corte Real, 47, é filho de Helena e lembra que também costumava aparecer quase todos os dias na casa de João. “Eu era muito pequeno ainda e não alcançava o botão do quinto andar no elevador. Aí eu parava aqui e pedia para o ‘seu’ João apertar para mim”, conta o servidor público internacional.
Helena encerra comentando os apelidos de alguns dos filhos das famílias. “O José Augusto era o ‘Mexirica’, porque ele competia de bicicross com uma roupa toda laranja. Já o João Paulo, era o ‘Bichado’, pois tudo para ele estava bichado. O tênis estava bichado, a bicicleta estava bichada, etc.”, finaliza a aposentada.