Pedro Almeida*
O cheiro que exala da chapa ou o aroma de um bolo caseiro recém-saído do forno são suficientes para atiçar o olfato dos moradores à volta. No caso de Adriana Nunes, comediante do grupo Melhores do Mundo, o perfume da cozinha trouxe o vizinho, como em um desenho animado, à porta de casa. O que ela não sabia é que, ao abrir, encontraria Roberto Carlos Varejão de Freitas, o Beto, um velho amigo.
Beto não é, tecnicamente, brasiliense, mas se considera um, afinal chegou de Recife com apenas 1 ano de idade. Falar sobre boa vizinhança parece abrir uma fenda de nostalgia na memória dele. Morador da Asa Sul, ele rememora um tempo em que as boas relações entre os moradores eram a lei. As portas dos apartamentos estavam sempre abertas, literal e figurativamente. Os gramados eram tomados pelas amizades que não cabiam apenas no pilotis.
Ter crescido neste clima amistoso o moldou de forma que sua atual residência já foi confundida por transeuntes com uma casa de festas. Basta qualquer desculpa surgir para que ele abra a garagem, disponha as mesas no gramado e ponha música para tocar. Quando não está com uma festa planejada, Beto comanda um quiosque de lanches na 215 Sul. Desde 1986 no ponto, ele comenta que recebe filhos adultos dos originais frequentadores do espaço. Nos 36 anos de comércio e com um sem-número de clientes assíduos, uma trupe de comédia que batia ponto por ali acabaria por se destacar na cidade.
Em 1995, por acaso, em 21 de abril daquele ano, a companhia de comédia Melhores do Mundo foi oficialmente criada. No sexteto original, que segue junto até hoje, havia Adriana Nunes. Formada pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, a atriz já passou por uma gama de trabalhos até se encontrar na comédia. Com o grupo, por fim, se estabeleceria como uma das grandes comediantes de Brasília e ganharia visibilidade nacional. Peças como Jingle béus, Notícias populares, Hermanoteu na terra de Godah e Sexo — a comédia estão cravadas na mente do público. Adriana participou, também, do Zorra total, programa de comédia da Rede Globo.
Em dado momento da carreira do grupo, Os Melhores do Mundo foram residentes, por aproximadamente uma década, no Teatro dos Bancários, na comercial da 314 e 315 Sul. Para brindar a casa lotada ou para simplesmente matar a fome acumulada do dia corrido, um bom lanche rápido caía bem. E o quiosque do Beto ficava a apenas uma tesourinha de distância. Por vezes, ele foi o responsável por alimentar a trupe no fim da noite.
A mãe de Adriana, com aversão a manter-se no mesmo local por muito tempo, se mudou diversas vezes dentro de Brasília. Antes de ter a própria independência, a comediante a acompanhava nas aventuras para habitar novas casas. Mais recentemente, a última mudança foi para Pirenópolis. Adriana, que já vivia com a própria família, resolveu reviver os tempos de mãe e filha e foi passar o tempo pandêmico na mesma cidade. Para a comodidade dos filhos, porém, era necessário ter um local em Brasília. A atriz encontrou uma residência na Asa Sul que funciona como uma espécie de vila. Os vizinhos compartilham de uma área comum no fundo das casas. Interessada pelo conceito, que traz proximidade e segurança, Adriana fincou bandeira por lá.
Animada com o novo lar, a artista preparou um bolo especial e logo pôs no forno. No tempo do fermento dar corpo à massa e dos aromas se espalharem, alguém bate à porta. Era Beto. Aquele que, por vezes, serviu Adriana seria, agora, servido por ela. O pedaço de bolo com café propiciou, bem à moda brasileira, uma conversa para que os amigos colocassem o papo em dia e se atualizassem após tantos anos de amizade. O filho de Beto, hoje adulto, confessou a Adriana que tentava acompanhar o pai nas apresentações do grupo, mas que acabava ficando de fora por não ter idade para assistir aos espetáculos. Se Beto recebia a segunda geração de frequentadores do quiosque, Adriana estava diante da segunda geração de fãs. Por fim, a mesa desta relação estava posta e farta. O cheiro que sai da chapa ou o aroma de um bolo caseiro recém saído do forno são suficientes para reatar a amizade dos moradores à volta.
*Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira