Vizinhas de loja contam como comércio estreitou laços de amizade

Arthur de Souza 

Alda Ramos (loira) e Josyrene Lucena
Alda Ramos (loira) e Josyrene Lucena | Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Quem disse que os comércios precisam ser, necessariamente, concorrentes entre si? Em Brasília, existem histórias de estabelecimentos vizinhos, em que os donos criaram uma parceria que vai muito além da relação de negócios. É o caso de Alda Ramos, 59 anos, dona da loja de roupas que leva o seu nome na 209/210 Norte, e a amiga Josyrene Lucena, 42, que possui um instituto de beleza na mesma galeria da quadra.

As duas são vizinhas de loja, mas a amizade começou a ser cultivada quando Alda ainda nem pensava em ter um comércio em Brasília. “Conheço Josyrene desde quando ela tinha um instituto de beleza próprio na 409 Norte, há cerca de 15 anos. Na época, eu trabalhava como funcionária pública — hoje sou aposentada — e era ela que arrumava o meu cabelo e as minhas unhas”, conta a empresária.

Josy, como é chamada carinhosamente pela amiga, lembra que o relacionamento teve que ser interrompido por um tempo, no período em que precisou fechar o salão. “Nos encontramos de novo quando eu passei a trabalhar em um instituto de beleza da 209/210, em 2017. Cerca de seis meses depois, decidimos abrir nossas lojas, quase que ao mesmo tempo, quando a galeria ainda não tinha um viés tão comercial. A gente costuma dizer que incentivamos outros negócios a também se estabelecerem aqui”, comenta a dona do empreendimento de beleza.

Ponto de partida

Alda aponta que, a partir desse momento, o laço de amizade entre as comerciantes se estreitou ainda mais. “Passamos pela pandemia da covid-19 com os muitos problemas e dificuldades que ela trouxe para o país. Nos fortalecemos fazendo parcerias de venda, apresentação de nossos produtos e serviços. Porém, a maior delas: indicando clientes uma para a outra”, detalha. “Ela também atende a família em casa e, com isso, acabou ganhando o pessoal lá de casa como cliente, assim como eu também ganhei a família dela”, destaca Alda. Ela diz que isso foi determinante para que a amizade tomasse rumos para fora do ambiente de trabalho. “Não são poucas as vezes que nos encontramos após o expediente para uma boa prosa, preparar estratégias e atrair novos clientes, como também, falarmos de assuntos pessoais e familiares”, frisa.

No entanto, Josyrene brinca que, fora da galeria, a amizade das duas segue com planos frustrados e que ainda não saíram do papel. “Combinamos várias viagens, mesmo que para lugares mais próximos do DF, mas nunca foram concretizadas. Se fosse contar todos os planos, acho que teríamos viajado o mundo todo”, ironiza. “Mas pretendemos concretizar algum desses planos em breve, com uma viagem de ‘mulherzinhas’, seja uma viagem de compras, ou mesmo ir para a praia — algo que gostamos muito”, assegura Josy.

Falando sobre programas sociais dentro do DF, as amigas afirmam que costumam sempre se encontrar. “A gente também sai para fazer algum happy hour. Mas, tanto eu quanto a Josy, trabalhamos muito e temos uma vida fora das lojas. Por isso, nossos encontros são, quase sempre, marcados em cima da hora”, confessa Alda. “Além disso, a Alda começou a reunir nossas famílias, em época de Copa do Mundo, para assistir aos jogos e tem sido muito legal”, lembra a dona do salão, dizendo que estão se programando para fazer o mesmo este ano.

Gratidão

Ambas fizeram questão de destacar o que mais valorizam na amizade cultivada durante o tempo. Para Alda, a parceria entre elas é o que mais marca a relação. “O fato de termos nos ajudado durante a pandemia, quando eu tinha dificuldade até para pagar funcionários, por exemplo, é algo que vou lembrar para sempre”, aponta. “Eu sou muito grata a ela por tudo isso”, agradece Alda.

Enquanto isso, Josy comenta sobre uma característica que considera a principal na amiga. “Gosto muito da postura da Alda, ela é uma pessoa muito motivadora. Apesar de estar aposentada, continua batalhando na vida”, observa. “Ao meu ver, ela não precisaria estar aqui, tendo que administrar duas lojas e, mesmo assim, continua. É essa força que ela tem que me motiva todos os dias a seguir em busca dos meus objetivos”, conclui.

Amizade além do tempo: companheirismo e respeito que atravessa décadas

Edis Henrique Peres

Amizade além do tempo
Kátia Kouzak (D) e Vera Hildebrand: momentos de alegria e de tristeza. | Carlos Vieira/CB/D.A. Press

Uma amizade que viu Brasília nascer e que esteve presente nos momentos mais alegres e nos mais solitários e desesperançosos uma da outra. Assim se define o vínculo de quase 62 anos entre Vera Hildebrand Pires da Cunha, 75 anos, e Kátia Abudakir Kouzak, 76. As duas se conheceram na adolescência, quando chegaram à capital do país, inaugurada no mesmo ano. Desde então, o laço segue firme e inquebrantável entre as duas amigas, que são “praticamente irmãs”. Religiosamente, aos domingos, Vera deixa sua casa na Asa Norte, passa na padaria, e vai para o Lago Sul, visitar Kátia.

“Chamamos de café da manhã da Vera”, conta Kátia, aos risos, sobre o banquete que a amiga traz da panificadora. Na mesa de varanda, elas montam a refeição e batem papo. O hábito de compartilhar lanches entre as duas é antigo, e vem ainda da juventude, na época em que estudavam juntas na Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília (Caseb). “A gente comia a mesma coisa no intervalo: um sonho e um Grapette (refrigerante de uva)”, lembra Kátia. “Esse era o nosso lanche das 10h”, acrescenta.

Vera foi a primeira das duas a chegar em Brasília. “Dia 13 de abril de 1960, tinha 13 anos, era uma quarta-feira, quando vim para cá. Fiquei encantada, porque Brasília estava lotada de barraquinhas de acampamento”, conta. Já Kátia chegou dois meses depois, em 12 de julho do mesmo ano. “Na época morávamos na SQS 107, uma no Bloco A e outra no Bloco D. E íamos juntas para o colégio. A amizade começou porque estudávamos na mesma sala”, diz Vera.

Para as duas amigas, as lembranças ainda são vívidas e enquanto relatam as memórias, elas sorriem com o revisitar dos dias de infância. “Aproveitamos muito a nossa juventude”, salienta Vera, que recorda do tratamento que realizou no hospital Sarah Kubitschek. “Como nasci com paralisia cerebral, eu fiz acompanhamento por muitos anos no hospital, comecei por volta dos 14 e segui até uns 20 anos, ia cerca de três vezes por semana”, conta.

Kátia revela que acompanhava a amiga nessas consultas até que foi proibida. “Brincava tanto (no hospital), assanhava os velhinhos, jogava peteca e fazia de tudo. Até que fui proibida de ir”, conta, entre risos. “A Vera chegou para mim nesse dia toda triste, dizendo: oh, Kátia, a direção não quer que você vá mais não”, diz.

O que mantém o laço até os dias de hoje, é a “amizade pura”. “Geralmente as pessoas têm algum interesse, quer alguma coisa. Mas a nossa amizade dura tanto tempo, porque ela é constante. E na hora que a gente precisar, sabemos que podemos contar uma com a outra”, ressalta Vera. Kátia acrescenta que as duas buscam simplesmente a companhia uma da outra, pois é isso que as fazem bem.

Amor e admiração

Ao longo das seis décadas de companheirismo entre Kátia e Vera, as duas passaram por momentos marcantes. Mesmo em cursos de graduação diferentes, Kátia estudando ciências contábeis, e Vera, psicologia, o vínculo se manteve. Kátia garante que a união entre as duas vem de um pacto de muito amor e admiração. “Não temos o mesmo sangue, mas somos que nem irmãs. E olha que somos bem diferentes na personalidade”, diz.

No espírito de companheirismo, quando Kátia estava no hospital para ganhar o primeiro filho, Vera foi chamada, de madrugada, para acompanhar a amiga. “Eu era muito jovem, tinha 25 anos, era o meu primeiro filho, me sentia despreparada. Estava assustada e a Vera era a pessoa que eu queria do meu lado para me acolher, porque eu estava perdida”, detalha. Vera não só acompanhou o parto de Kátia como é madrinha do filho dela, Solon Kouzak.

Mas além dos momentos de alegria, as duas são um suporte nos desafios e dificuldades. Kátia lembra que quando o marido ficou muito doente, Vera ia ao hospital visitá-la. “Meu esposo ficou um ano e quatro meses muito debilitado. Nesses grandes momentos, nas coisas que mudaram a nossa vida, ela (Vera) estava do meu lado. Quando meu marido estava doente e depois quando ele partiu eu enfrentei todo tipo de problema, com sócio e doença — fiquei cardíaca —, e foi a Vera que me apoiou”, se emociona Kátia.

Vera também enfrentou a perda do esposo e conseguiu superar o luto graças a ajuda da amiga. “Meu marido teve câncer de pulmão, ficou três meses muito ruim e depois partiu. Agora faz quatro anos, o tempo passa muito rápido. Quando ele foi embora, foi a Kátia que me lembrava que a vida não acabou, que ele não ia querer que a minha vida parasse. Em razão disso, a gente ficou mais unida. Foram esses momentos, os essenciais e que fizeram toda a diferença”, avalia Vera.

“Eu vi Brasília nascer”

Para Kátia, foi “puro destino” que viesse para a capital e encontrasse aqui uma amizade de uma vida. “Meu tio era militar da Aeronáutica e eu queria estudar na capital federal. Sou paulista e primeiro fui morar no Rio de Janeiro, que era a capital do país, com os meus tios. Depois, meu tio foi transferido para Brasília e eu vim com eles, como meus tutores”, afirma.

Já Vera veio do Rio de Janeiro, porque o pai era da Fundação Educacional e foi o responsável por trazer os professores do país e criar o modelo de ensino da capital. “Quando eu cheguei, Brasília estava cheia de barraquinhas e todo mundo tinha no carro um adesivo escrito ‘Eu vi Brasília nascer’. Nas noites de sábado, a gente descia para baixo dos prédios com violão e vitrolas e ficava cantando e dançando. Lembro até hoje, da festa da inauguração (da cidade), que me marcou muito, em que fizeram uma dança ao lado das conchas (do Senado e da Câmara) e soltaram tecidos que chegavam quase até embaixo. Eu me lembro muito disso”, afirma. Vera arremata: “Na próxima encarnação, já pedi para nascer aqui, em Brasília”.

Na Asa Norte, empatia, preocupação e interação mesmo durante o isolamento

Arthur de Souza

 Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Marta Simone (E), Teresa Cristina (C) e Silvia Perez: ações para unir os moradores | Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A. Press

A síndica do Bloco H da 210 Norte, Silvia Perez, 58 anos, idealizou — junto aos moradores do edifício — eventos que proporcionam uma melhor convivência e funcionam como uma válvula de escape para momentos difíceis, como a pandemia. Empatia, preocupação e interação. São essas as palavras que, talvez, possam definir a união entre Teresa Cristina, 59 anos, Silvia Perez e todos os moradores do Bloco H.

As duas vizinhas entram em cena como as principais cabeças por trás de eventos que acontecem no prédio, que são criados com a intenção de gerar mais aproximação entre os moradores. Apesar de não ter mais residência no edifício, Silvia se mantém como síndica, com aprovação dos vizinhos, e conta que a primeira ideia surgiu quando ainda morava na quadra. “Há algum tempo, fiz uma iniciativa que se chamava ‘entre vizinhos’, e era justamente com a pretensão de estimular os moradores a se conhecerem e conviverem”, comenta.

“Nós fazíamos a preparação para os eventos, decidindo sobre decoração e o que seria servido, por exemplo. Isto já era algo muito positivo, porque as pessoas acabavam se conhecendo durante as reuniões e amizades acabaram sendo feitas”, relembra. Teresa, que ainda mora no edifício, é uma das que criou amizades com os primeiros eventos. “Uma vizinha do meu andar foi embora para Curitiba, mas mantemos a amizade até hoje. Também teve uma professora belga, que veio para cá fazer doutorado na Universidade de Brasília (UnB) e acabei criando uma boa relação”, relembra.

Aproximação essencial

Com a pandemia, Silvia diz que todos os moradores passaram a se preocupar uns com os outros, momento em que tiveram a ideia de criar mais um evento, para manter a interação, mesmo em um momento de pouco contato. “Além de imprimir algumas rotinas, como fazer telefonemas, tivemos a ideia de fazer o “troca-troca” de livros, em 2021, que foi muito bem aceito por todos”, frisa. Teresa lembra que foi tudo feito no improviso. “Conseguimos uma base de madeira e colocamos os livros nela, dividindo de acordo com o tema de cada um, tudo no protocolo de segurança sanitária. Quem pegava o livro, não tinha a obrigação de devolver e, o saldo que ficou, nós doamos. Passaram por aqui, cerca de 400 títulos diferentes”, destaca.

Para Silvia, o evento foi muito significativo. “A gente via pessoas que nunca tinham saído de casa, desde o começo da pandemia, descer com um livro e voltar com outro. Isso me fez pensar que os moradores estavam receptivos a buscar algum tipo de integração”, pondera. “É muito importante porque, principalmente durante a pandemia, a tensão foi tão grande, que vimos muitas brigas entre pessoas que moram próximas e, esse tipo de ação, diminui muito o atrito. Foi algo bastante legal, pois estávamos em um momento difícil, tudo fechado e, de repente, acha-se um jeito de fazer a interação entre os vizinhos”, considera Teresa.

Outros eventos

As duas reforçam que não foi só o troca-troca de livros que teve êxito nas intenções de integrar. “No carnaval que antecedeu a pandemia, em 2020, eu e a Silvia bolamos uma decoração. Fomos em Taguatinga comprar os adereços e, enquanto estávamos arrumando, o pessoal passava e se empolgava, perguntando o que iria acontecer”, detalha Teresa, que brinca afirmando que “a grande vantagem de fazer um evento como esse, no pilotis do prédio, é que o pessoal não precisou se preocupar com blitz (risos)”.

“Esse ano, no feriado de carnaval, com as pessoas vacinadas e tendo menor receio de sair de casa, tivemos a ideia de fazer um evento de habilidades pandêmicas. Cada um trazia algo que aprendeu e/ou aprimorou nesses dois anos de isolamento. E acabou virando um sarau, teve até violino”, lembra. Silvia revela que mais uma iniciativa de integração deve acontecer em breve, também com a essência da troca entre os moradores. “Qualquer coisa que a pessoa tenha e não queria mais, ela poderá trazer para doar. Sempre na intenção de propiciar a integração, pois, se a gente conseguir que duas pessoas, pelo menos, participem, já é algo interessante”, torce.

Além disso, a síndica do bloco comenta que, devido ao sucesso que os eventos fizeram, existe um planejamento para criar uma espécie de cronograma. “A ideia é tentar propiciar uma frequência maior nesses momentos de interação, para aproximar mais os vizinhos. Até porque, eles são as pessoas mais próximas que a gente tem aqui”, reforça.

Efeito positivo

Quem aproveitou os eventos foi a advogada Marta Simone do Carmo, 47. “As interações foram de grande ajuda. Na pandemia, também estava receosa em sair de casa e, agora nesse período mais ameno, trazer essa possibilidade de confraternização entre vizinhos novamente, é algo que faz a gente se sentir vivo outra vez”, afirma Marta.

Para ela, o bloco onde mora contribui para a criação desse tipo de iniciativa. “Penso que existe uma coisa muito especial. Todos têm uma preocupação muito grande em fazer essa troca, essa conversa”, considera a moradora. A advogada afirma que participar dos eventos foi uma experiência única. “Agregou muito na questão da valorização da convivência entre vizinhos, na amizade e na solidariedade. Além disso, quando colocamos os registros nos grupos, faz com que outros também se interessem em participar”, aponta.