Paulo Pestana | Especial para o Correio
Um dos pais fundadores de Brasília tinha tanta fé nos vizinhos que planejou a criação de vários clubes para eles. Seriam as unidades de vizinhança e estariam localizadas a cada quatro superquadras nas asas Sul e Norte do Plano Piloto, como forma de oferecer lazer aos moradores, com quadras esportivas, piscina, campo de futebol e biblioteca.
Talvez tenham faltado vizinhos, porque só deu para fazer um, na altura das quadras sete e oito da Asa Sul. Mas na verdade é a confirmação de que a ideia de colocar tanto vizinho perto não rende confraternização e está mais para confusão, até porque vizinho é igual a irmão, diferente de amigo: a gente não escolhe. E ninguém mais mexeu com a ideia de fazer clubes para reunir a vizinhança — já chega a reunião de condomínio.
Não se sabe de onde Lucio Costa tirou a ideia utópica de que vizinho é o mesmo que amigo. Ele próprio não devia ser um bom vizinho. Homem de personalidade forte, não era conhecido pela expansividade; ao contrário, era cerimonioso e reservado. Mas era sábio e tinha consciência do risco que correu, quando disse que “a única coisa do planejamento é que as coisas nunca ocorrem como foram planejadas”.
Tem gente que dá muita sorte com a vizinhança, mas é uma loteria. O sujeito que mora embaixo pode gostar de ouvir pagode do Ferrugem na maior altura todo domingo de manhã; a senhora que mora em cima pode passar o dia usando sapato que parece tamanco, batucando no taco para lá e para cá; o rapaz do lado pode ser um amante selvagem, daqueles que arrancam gritos da parceira, matando o resto do prédio de inveja.
Acreditem: passei por tudo isso na Asa Norte, esse bairro que é quase uma entidade sobrenatural, de tanta coisa estranha que acontece por lá. Saudade.
O pior vizinho, no entanto, parece ser o mais comum em Brasília: aquele que finge que você não existe, faz as maiores festas, não te convida para nenhuma e, para piorar, no dia seguinte coloca as caixas com cascos dos melhores rótulos para o gari recolher, mas bem a vista, para causar inveja. Prefiro o vizinho que não cumprimenta, mas não faz festa.
Tenho um amigo que em menos de dois meses morando num conjunto já conhece todos da vizinhança; sabe até o nome dos cachorros. É caso raro. Quem mora em prédio ainda esbarra em elevador, na caixa de correio, na beligerância da reunião do condomínio). Mas quem mora em casa, ainda mais com esses portões eletrônicos, entra sem falar, sai sem dizer nada e nem olha para trás. Difícil achar um “bom dia”.
Mas há sempre aquele vizinho que envolve a gente. Gregário, consegue até mudar nossos hábitos. Ele vai se introduzindo, simpático, quase servil, sempre pronto para ajudar, quando você vê está abrindo sua geladeira.
Na minha rua tem a senhora da janela; fica só observando o movimento. Não sei o que faz com as informações que recolhe, porque a única fofoca era a do marido que de vez em quando gritava com a mulher, mas parou quando a polícia foi acionada — na verdade foi uma ameaça, mas valeu.
E tem o vizinho de todos nós, o estado de Goiás, que tem sufocado o DF todo com essa música sertaneja, o jeito das moças se vestirem e o dos rapazes de falar sem o menor respeito com as concordâncias verbais e nominais. “É nóis!”. Eu retruco: – É eles.