Texto: Arthur de Souza
Mesmo tendo a fama de ser um animal solitário e que não é muito adepto ao carinho, os gatos também podem ser responsáveis por unir uma vizinhança, e a história de Cilene Maria de Camargos, 56 anos, moradora do Lago Norte, se encaixa como um desses exemplos. A servidora pública conta que sempre teve paixão por felinos, de modo geral. Contudo, foi em 2005 que ela passou a ter um olhar diferente para os gatinhos. “Fui para Palmas passar o carnaval na casa de uma irmã, e minha afilhada ajudou uma filhote. Só que lá, ninguém gostava de gatos, então acabei trazendo para Brasília”, comenta.
Na época, Cilene morava na Asa Norte e lembra que fez seu primeiro resgate um ano após adotar o filhote que trouxe de Palmas. “Só que os dois não se deram muito bem e tive que arrumar uma doação, que também também foi um sucesso”, revela. “A partir daí, nunca parei. As coisas foram acontecendo gradativamente e, quando percebi, estava com uma ‘gatoeira’, resgatando gatos em vários locais. Comecei a seguir alguns deles, para saber se eram mansos, se tinham donos ou onde se escondiam, era diário”, detalha a servidora pública.
Após mais de 15 anos fazendo o trabalho na Asa Norte, Cilene se mudou para o Setor de Mansões do Lago Norte, onde o projeto se manteve. “Lembro-me que, ao chegar, alguns vizinhos já alimentavam e cuidavam de um ou outro gato, porém, a população felina cresceu muito rapidamente, pois eles não eram castrados. Eu me vi morando em uma rua com uma colônia de gatos em pleno crescimento”, conta. Foi quando ela conheceu uma vizinha, chamada Dalva, que fazia o trabalho no local. “Começamos uma parceria e amizade que proporcionou o resgate de dezenas de gatos e algumas ninhadas pegando com as mãos. Entre maio de 2021 e abril de 2022, realizamos 32 castrações, entre adultos capturados e filhotes em lar temporário”, destaca.
Elo fundamental
A nora de Dalva, Camila Martins, 40, também é vizinha de Cilene e, assim como a sogra, ajuda no projeto. Ela conta que, mesmo antes de a servidora pública chegar, havia um trabalho desenvolvido, que começou quase da mesma forma que o da Asa Norte. “Uma gata apareceu com o rabinho cortado e infeccionado. A gente a pegou, minha sogra colocou antibiótico no leite, foi amansando e foi tratando essa gata, até fazer uma cirurgia para tirar a parte que estava comprometida”, lembra. “No que a gente levou ao veterinário para fazer o procedimento, descobrimos que ela estava prenha. Foi feita a cesária, tirou todos os gatinhos e um dos fruto dessa mãezinha que a gente resgatou, está comigo atualmente”, comenta.
Depois da mudança de Cilene, a administradora diz que o projeto ficou ainda mais robusto. “A união com a Cilene nessa iniciativa foi fundamental, porque a minha sogra começou cuidando primeiro de um gato, aí depois viraram dois, três e, de repente, tínhamos dez gatos”, enumera. “Criamos um grupo com moradores no WhatsApp e lá a gente divulga fotos, presta contas e faz balanço de quantos gatinhos foram resgatados, castrados, além da quantidade de ração que está sendo comprada”, detalha Camila.
Muito a ser feito
Apesar das parcerias, Cilene e Camila contam que a adesão de outros vizinhos ao projeto ainda está mais concentrada no ‘virtual’. “Quem realmente põe a mão na massa é a Cilene e minha sogra. Eu ajudo financeiramente e ajudo quando eu posso nas ninhadas de pequenininhos, para cuidar. Infelizmente, a união presencial ainda é pouca”, confessa Camila. Além disso, Cilene comenta que, no decorrer desses meses, elas têm enfrentado muitas dificuldades, como a resistência da comunidade. “Divulguei alguns casos de resgate no grupo do condomínio e alguma ajuda apareceu, não suficiente ainda para 100% das despesas”, lamenta.
Mesmo assim, a servidora pública comemora que, por meio da doação de mais de 20 moradores, conseguiram que muitos gatos fossem castrados em um curto espaço de tempo. “No momento, ainda temos dois gatos adultos que precisam ser resgatados para castração, contudo, é um número bem mais fácil de trabalhar”, diz. “O trabalho é árduo, incansável e acredito que, divulgando cada vez mais essas ações solidárias aos animais que vivem em situação de abandono, as pessoas vão se sentir motivadas a participar, olhando para o lado, para as ruas, para os estacionamentos e que ajude ou inicie no cuidado dos animais”, espera Cilene, afirmando que, quem estiver interessado em ajudar de alguma forma — seja com doações ou fazendo uma adoção —, pode entrar em contato através do telefone 61 981308483.
De olho no futuro
Cilene diz esperar que essa ‘corrente do bem’ tenha cada vez mais elos. “Em todos os locais existem animais abandonados e a solução para ajudá-los é a participação de todos”, pondera. E é justamente o que Camila tem feito na própria casa. Ela e o marido amam os animais e estão passando esse carinho para a filha. “Sempre que a gente via um cachorrinho na rua ou um gatinho a gente procurava ajudar. Ela cresceu vendo a gente fazer e desenvolver esse hábito, o amor pelos bichos, então, foi um movimento natural. Hoje em dia, ela faz porque ama”, conta.
Apesar de ter pouco tempo — pois trabalha cerca de 12h por dia —, ela sempre tenta ajudar quando está com a filha. “Onde a gente encontra um bichinho em situação de abandono, procuramos socorrer, tirar uma foto para divulgar, dar comida, água, essas coisas”, complementa Camila.