Escoteiros de Brasília se conectam com a comunidade

Edis Henrique Peres

Arquivo Pessoal
O grupo de escoteiros Lis do Lago tem uma grande atuação social na região | Foto: Arquivo pessoal

O grupo se organiza, entre a vegetação, para montar o acampamento. Os mais velhos orientam os “lobinhos” sobre como dividir as tarefas, a maneira correta de acender a fogueira e estruturar as barracas. Os escoteiros, além de aprenderem sobre como lidar com situações de perigo e sobrevivência, também são instruídos com ensinamentos e valores como lealdade e ajuda ao próximo. O Grupo Escoteiro Lis do Lago nasceu em Brasília há 38 anos e desde então tem uma história de atuação com os moradores do Lago Norte e de diversas regiões administrativas da capital. Rafael Werneburg começou a prática do escotismo aos 10 anos de idade, e hoje, aos 26 anos, o morador do Lago Norte atua como voluntário, auxiliando a nova geração de escoteiros da capital federal.

“Minha mãe tinha uma amiga que trabalhava no grupo de escoteiros e ela queria apresentar o movimento para mim, nessa época, ainda nem morávamos no Lago Norte”, conta. Rafael afirma que fez muitos amigos ao longo do período que esteve no grupo de escoteiros. “Muitos que tenho afinidade até hoje. São vínculos que vão se construindo e ficando para a vida, porque ficamos muito tempo em atividades e acampamentos e isso fortalece a relação, principalmente porque no escotismo aprendemos a valorizar muito as amizades que construímos”, destaca.

Em retrospectiva, o químico confessa: “ser parte do grupo de escoteiro moldou todos os aspectos da minha vida, seja com relação ao trabalho, interpessoal, seja as escolhas profissionais. No movimento escoteiro se busca desenvolver aquilo que mais interessa à criança e ao jovem e eu tinha muito interesse em ciência exatas. Foi no grupo que aprendi a aplicar o conceito de liderança, por exemplo, porque precisamos estar à frente de outras pessoas, das patrulhas e matilhas. Foi o grupo que trouxe ferramentas para que eu expressasse essa liderança de forma saudável”, opina.

Ao longo de anos no grupo de escoteiros, Rafael fez uma amizade que ultrapassa somente os acampamentos. Lívia Maia, 26 anos, administradora e moradora do Lago Norte entrou no Lis do Lago aos seis anos e meio, em 2006. “Fiquei no movimento a minha vida toda e me afastei quando tinha 22 anos, mas meu irmão continua no escotismo. Conheci o Rafael logo quando ele entrou. Penso que a amizade de escoteiro é uma amizade diferente, porque passamos por muitas situações complicadas juntas. Vamos a acampamentos em que a barraca rasga, fazemos viagens que duram semanas e é natural que nesse tempo aconteça algum perrengue. É uma amizade em que a pessoa fica muito próxima de ser alguém da família”, avalia.

Lívia confessa: “a amizade minha e do Rafa foi se construindo ao longo da vida inteira e ainda estudávamos na mesma escola, então isso estreitou ainda mais a nossa relação. Já acampamos, inclusive, em outros países, chegando a ficar meses viajando. O mais longe que já fui foi na Islândia. E acho que um dos episódios que marcaram muito foi quando estávamos acampando e de madrugada passou um cupinzeiro atravessando o acampamento e eles saíram rasgando as barracas. E o Rafael, que sempre foi responsável, começou a liderar e a ajudar os outros, levantando as barracas para que a gente não ficasse sem e orientando os mais novos, que ainda não sabiam o que fazer. Sempre tem esse espírito, dos mais experientes ensinar os outros o que eles devem fazer”, explica.

Desenvolvimento

Chefe de tropa, Deomar Rosado, 66 anos, começou no grupo como voluntário, para conseguir uma vaga para o filho, e desde então, se dedica ao Lis do Lago. “O escotismo trabalha as áreas de desenvolvimento social, afetivo e espiritual, com a realização de educação lúdica em espaços abertos. Estou no grupo há 30 anos e a gente realmente se engaja, as famílias participam, se cria um vínculo de amizade entre todos que é muito forte”, revela.

Deomar detalha que o objetivo é que as crianças e jovens aprendam na prática os conteúdos. “Eles se organizam e entendem o conceito de equipe. Também é trabalhado a questão da sustentabilidade, de cuidar dos animais e das plantas, da biodiversidade. E sempre buscamos os adultos voluntários. Além disso, em cada faixa etária existe um ponto a se desenvolver, nos mais novos, há a fantasia; nos adolescentes, focamos no vínculo e amizade; nos jovens de 15 a 17 anos, tem a questão do empoderamentos e dos desafios; e a partir dos 18 anos, eles começam a querer ser pioneiros, porque estão entrando na faculdade, estão no serviço, então existe muito trabalho focado na autonomia”, afirma.

Antes da pandemia, o grupo tinha cerca de 140 escoteiros, mas atualmente, as atividades estão voltando aos poucos, segundo Deomar. “Temos cerca de 90 escoteiros na ativa, e 25 voluntários adultos. Nosso objetivo é retomar as atividades, principalmente essa carência por adultos voluntários, porque quanto mais temos, maior o número de crianças que podemos monitorar no acampamento”, explica.

Tradição

Na família de Lívia, participar do grupo Lis do Lago é praticamente uma tradição. “As minhas irmãs que têm mais de 30 anos, foram escoteiras, e meu irmão, que hoje tem a metade da minha idade, está com treze anos, é escoteiro. Então o Lago Norte é realmente ligado pelo Lis do Lago, e toda uma geração familiar também se une devido ao escotismo. Minha mãe até hoje está muito envolvida nas atividades do grupo”, admite.

Para Rafael, além da vivência no grupo de escoteiros, um cartão-postal de Brasília também marcou a sua infância. “Até fiquei recentemente morando em São Paulo, mas voltei para Brasília. Aqui tem um diferencial, gosto muito da organização da cidade, da forma como ela foi construída e tenho uma memória afetiva muito forte com a cidade, principalmente com a Torre de TV. Antigamente, a feirinha ficava bem embaixo da Torre e sempre íamos lá no fim de semana. Isso sempre foi algo que ficou marcado, acho que tanto pelo visual da Torre em si, mas também por ser um lugar que a gente (pelo mirante) consegue ver a cidade inteira)”, pondera.

Moradora do Lago Norte resgata gatos abandonados com apoio de vizinhos

Texto: Arthur de Souza

Solidariedade com os gatos
Cilene Maria Camargo faz parte do grupo de vizinhos que cuidam de gatos abandonados no Condomínio Privê no Lago Norte | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Mesmo tendo a fama de ser um animal solitário e que não é muito adepto ao carinho, os gatos também podem ser responsáveis por unir uma vizinhança, e a história de Cilene Maria de Camargos, 56 anos, moradora do Lago Norte, se encaixa como um desses exemplos. A servidora pública conta que sempre teve paixão por felinos, de modo geral. Contudo, foi em 2005 que ela passou a ter um olhar diferente para os gatinhos. “Fui para Palmas passar o carnaval na casa de uma irmã, e minha afilhada ajudou uma filhote. Só que lá, ninguém gostava de gatos, então acabei trazendo para Brasília”, comenta.

Na época, Cilene morava na Asa Norte e lembra que fez seu primeiro resgate um ano após adotar o filhote que trouxe de Palmas. “Só que os dois não se deram muito bem e tive que arrumar uma doação, que também também foi um sucesso”, revela. “A partir daí, nunca parei. As coisas foram acontecendo gradativamente e, quando percebi,  estava com uma ‘gatoeira’, resgatando gatos em vários locais. Comecei a seguir alguns deles, para saber se eram mansos, se tinham donos ou onde se escondiam, era diário”, detalha a servidora pública.

Após mais de 15 anos fazendo o trabalho na Asa Norte, Cilene se mudou para o Setor de Mansões do Lago Norte, onde o projeto se manteve. “Lembro-me que, ao chegar, alguns vizinhos já alimentavam e cuidavam de um ou outro gato, porém, a população felina cresceu muito rapidamente, pois eles não eram castrados. Eu me vi morando em uma rua com uma colônia de gatos em pleno crescimento”, conta. Foi quando ela conheceu uma vizinha, chamada Dalva, que fazia o trabalho no local. “Começamos uma parceria e amizade que proporcionou o resgate de dezenas de gatos e algumas ninhadas pegando com as mãos. Entre maio de 2021 e abril de 2022, realizamos 32 castrações, entre adultos capturados e filhotes em lar temporário”, destaca.

Elo fundamental

A nora de Dalva, Camila Martins, 40, também é vizinha de Cilene e, assim como a sogra, ajuda no projeto. Ela conta que, mesmo antes de a servidora pública chegar, havia um trabalho desenvolvido, que começou quase da mesma forma que o da Asa Norte. “Uma gata apareceu com o rabinho cortado e infeccionado. A gente a pegou, minha sogra colocou antibiótico no leite, foi amansando e foi tratando essa gata, até fazer uma cirurgia para tirar a parte que estava comprometida”, lembra. “No que a gente levou ao veterinário para fazer o procedimento, descobrimos que ela estava prenha. Foi feita a cesária, tirou todos os gatinhos e um dos fruto dessa mãezinha que a gente resgatou, está comigo atualmente”, comenta.

Solidariedade com os gatos
Com a amiga Camila Martins e os bichanos: parceria e afeto. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Depois da mudança de Cilene, a administradora diz que o projeto ficou ainda mais robusto. “A união com a Cilene nessa iniciativa foi fundamental, porque a minha sogra começou cuidando primeiro de um gato, aí depois viraram dois, três e, de repente, tínhamos dez gatos”, enumera. “Criamos um grupo com moradores no WhatsApp e lá a gente divulga fotos, presta contas e faz balanço de quantos gatinhos foram resgatados, castrados, além da quantidade de ração que está sendo comprada”, detalha Camila.

Muito a ser feito

Apesar das parcerias, Cilene e Camila contam que a adesão de outros vizinhos ao projeto ainda está mais concentrada no ‘virtual’. “Quem realmente põe a mão na massa é a Cilene e minha sogra. Eu ajudo financeiramente e ajudo quando eu posso nas ninhadas de pequenininhos, para cuidar. Infelizmente, a união presencial ainda é pouca”, confessa Camila. Além disso, Cilene comenta que, no decorrer desses meses, elas têm enfrentado muitas dificuldades, como a resistência da comunidade. “Divulguei alguns casos de resgate no grupo do condomínio e alguma ajuda apareceu, não suficiente ainda para 100% das despesas”, lamenta.

Solidariedade com os gatos
Depois de capturados, os bichinhos são encaminhados a adoção |Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Mesmo assim, a servidora pública comemora que, por meio da doação de mais de 20 moradores, conseguiram que muitos gatos fossem castrados em um curto espaço de tempo. “No momento, ainda temos dois gatos adultos que precisam ser resgatados para castração, contudo, é um número bem mais fácil de trabalhar”, diz. “O trabalho é árduo, incansável e acredito que, divulgando cada vez mais essas ações solidárias aos animais que vivem em situação de abandono, as pessoas vão se sentir motivadas a participar, olhando para o lado, para as ruas, para os estacionamentos e que ajude ou inicie no cuidado dos animais”, espera Cilene, afirmando que, quem estiver interessado em ajudar de alguma forma — seja com doações ou fazendo uma adoção —, pode entrar em contato através do telefone 61 981308483.

De olho no futuro

Cilene diz esperar que essa ‘corrente do bem’ tenha cada vez mais elos. “Em todos os locais existem animais abandonados e a solução para ajudá-los é a participação de todos”, pondera. E é justamente o que Camila tem feito na própria casa. Ela e o marido amam os animais e estão passando esse carinho para a filha. “Sempre que a gente via um cachorrinho na rua ou um gatinho a gente procurava ajudar. Ela cresceu vendo a gente fazer e desenvolver esse hábito, o amor pelos bichos, então, foi um movimento natural. Hoje em dia, ela faz porque ama”, conta.

Solidariedade com os gatos
Cilene dá alimentação e monitora os animais | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Apesar de ter pouco tempo — pois trabalha cerca de 12h por dia —, ela sempre tenta ajudar quando está com a filha. “Onde a gente encontra um bichinho em situação de abandono, procuramos socorrer, tirar uma foto para divulgar, dar comida, água, essas coisas”, complementa Camila.

Solidariedade com os gatos
Com a pandemia, o número de animais abandonados aumentou no DF | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press