Festa junina da 213 Sul: tradição desde a década de 1990

Edis Henrique Peres

Carlos Vieira/CB/D.A.Press
João Matos e Eliane Abreu com o álbum de imagens das festas juninas no Bloco A da 213 Sul | Foto: Carlos Vieira/CB/D.A. Press

Os meninos pintam no rosto um bigode que simula a barba que ainda vai crescer, enquanto as moças, de chiquinha, bochechas coradas com maquiagem e pintinhas marcadas de lápis de olho rodopiam com os vestidos coloridos e rodados. De chapéu de palha, a quadrilha entra ao som das músicas típicas e ao grito de “olha a cobra”, todos pulam. É festa junina! Para os moradores da SQS 213, do Bloco A, o festejo é uma tradição com quase 30 anos de história. “Os três primeiros anos, praticamente, era apenas uma festa para os nossos filhos, depois foi crescendo, e o bloco G começou a nos ajudar. No fim, fizemos 29 edições. Paramos por causa da pandemia”, conta João Matos, 80 anos, servidor público aposentado.

João relembra que foi a filha, Patrícia, que deu o primeiro impulso para o surgimento da tradição do arraial. “Aqui no prédio temos muitos nordestinos e gaúchos. Eu sou do Ceará, por exemplo, e todo mundo é muito animado para festejar. Minha filha também era festeira e, brincando com as crianças, inventaram de fazer uma quadrilha, e nós, os pais, acabamos incentivando a animação deles”, detalha.

Outra moradora que atuou nos quase 30 anos de festa, Eliane Abreu, 73, servidora pública aposentada do GDF (Governo do Distrito Federal), lembra que as crianças se dedicavam na produção de bandeirolas feitas com jornal e revista. “Fizemos algo simples nos dois primeiros anos, somente para os moradores do nosso bloco. As crianças dançavam a quadrilha e os pais desciam, cada um com um prato: trazíamos bolo, pipoca e balas doces”, revela.

Rapidamente, o espírito de São João cresceu e tomou proporções maiores. “Uma das moradoras, muito animada aqui do bloco, começou a descer com violão para tocar com as crianças e então começamos uma quadrilha também com os adultos. Aos poucos foi se formando as barraquinhas, de canjica, galinhada, feijão tropeiro, tudo feito pelos próprios moradores. Quando percebemos, a festa tinha tomado outro ar e precisávamos até pedir autorização para o GDF para realizá-la. Não era mais só uma festinha de criança, como começou”, afirma João.

Eliane diz que o foco era reunir as famílias da quadra. “Lógico que quem passasse e quisesse participar era bem vindo. E isso foi se tornando cada vez mais comum, a nossa festa unia a quadra toda, e quem vinha uma vez, cobrava a festa no ano seguinte e a comemoração começou a ficar famosa. Só não fizemos nos últimos anos por causa da pandemia”, ressalta.

Arquivo Pessoal
Grupo de moradores reunidos para cortar os ingredientes para o cachorro-quente da festa | Foto: Arquivo pessoal

Compromisso

Responsável por fazer o cachorro-quente para a festa, Eliane relembra o que considera os melhores momentos do grupo: “a noite de véspera”. “A festa tem uma comissão organizadora, que tem entre 15 e 20 pessoas. No início, precisávamos fazer várias reuniões para organizar tudo, e como não tínhamos salão no nosso bloco, as reuniões eram feitas a cada dia, na casa de uma pessoa. E isso era por si só muito animado. Ao fim, a pessoa servia um jantar, e era uma diversão só”, conta.

A realização do evento, contudo, demandava um grande esforço dos organizadores, com dias dedicados ao preparo dos alimentos, compras e licenças necessárias. Eliane e João, apesar disso, recordam com alegria das noites que o grupo passava, praticamente em claro, para conseguir preparar as comidas típicas. “A gente precisava na noite anterior se reunir na casa de alguém para cortar a charque, a cebolinha, preparar a carne para o espetinho e cortar a cebola. Quem não tinha dado reunião na sua casa, trazia a comida daquele dia que seria a nossa refeição. Era muito trabalhoso, mas ao mesmo tempo era divertido. A esposa do João, por exemplo, era responsável por temperar a canjica. Meu esposo era quem cuidava das finanças da festa, porque ele é auditor fiscal”, acrescenta Eliane.

Aos poucos, a Comissão pegou o ritmo da organização do evento e não precisava de tantas reuniões. “A gente já tinha um script a seguir. Mas a cada ano, anotamos os erros e acertos e conversamos ao fim da festa para ver o que não devíamos fazer e o que tinha funcionado. Para que no ano seguinte, fosse ainda melhor”, pontua a aposentada.

João revela que, com o passar do tempo, como os moradores foram envelhecendo, o grupo decidiu diminuir o número de afazeres manuais. “Antes, a gente montava as barracas e cavava os buracos para erguê-las. Mas do meio para o fim, percebemos que não dava mais, então compramos a estrutura de metal. Temos até hoje as lonas, as barracas, o fogão e a churrasqueira guardadas”, salienta.

Solidariedade

Em dois grandes álbuns, parte da história da festa junina da SQS 213 é eternizada. Um deles é um arquivo com os diversos documentos de cupons fiscais, rendimentos das festas, gastos e atas das reuniões. O grupo, inicialmente, teve dúvidas do que fazer com o valor arrecadado no arraial até que tiveram a ideia de doar o valor para alguma instituição de caridade.

“A gente decidia tudo em votação. E quando decidimos pela festa não sabíamos o que fazer com o excedente, então um morador sugeriu doar e todo mundo apoiou”, recorda. “Mas antes disso, para levantar o dinheiro que seria investido, cada membro da Comissão emprestava um valor nessa etapa inicial. A festa era feita no sábado, e no dia seguinte, no domingo, já pagávamos, para cada um, o que tinham emprestado. Nunca nem um morador ficou sem receber. Logo depois fazíamos uma reunião de rendimentos e do que tinha sido gasto, e escolhíamos para qual entidade seria destinado a doação”, explica.

Já o segundo álbum, guardado ainda com mais esmero, é um convite à memória. A cada página, as fotografias contam a história dos moradores: um vínculo que vai além da festa junina, que se traduz em amizade entre os residentes do Bloco A e também de afeto com a capital do país. “Vim para Brasília para passar somente um ano, cheguei em 2 de novembro de 1981, saindo do Espírito Santo com meu esposo. Hoje, mesmo visitando meus familiares que moram lá, logo quero voltar. Meu lugar é aqui, onde criei meus filhos. A gente acaba se apegando. As pessoas falam que aqui não tem praia, mas eu não sinto falta”, frisa.