Moradores do Sudoeste criam feira para interagir com vizinhos ao ar livre

Arthur de Souza 

Luciene Lontra com a irmã Cristiane: feira entre vizinhos da 101 do Sudoeste oferece uma variedade de produtos e contatos com pessoas da região
Luciene Lontra com a irmã Cristiane: feira entre vizinhos da 101 do Sudoeste oferece uma variedade de produtos e contatos com pessoas da região | Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Com a pandemia do novo coronavírus, a população precisou se confinar, vivendo a maior parte do dia dentro de casa, sem se relacionar com outras pessoas que não sejam do convívio diário. No entanto, os meses foram passando e a situação melhorou, favorecendo a elaboração de projetos que propõem uma interação maior entre os vizinhos. Foi o que pensou Maira Coelho, 54 anos, prefeita da Quadra 101, no Sudoeste. Ela, junto a outros moradores, criou a Feira da Quadra SQSW 101. “Nós começamos esse evento em outubro do ano passado, com a ideia de promover o melhor relacionamento entre os moradores”, explica.

Segundo a prefeita de quadra, a peculiaridade de Brasília, por ser uma capital, faz com que as pessoas se conheçam muito pouco. “Todos têm uma vida muito atribulada, saem cedo e voltam tarde, então não é muito difícil ter essa interação entre as pessoas. Muitos, inclusive, vêm para cá com tempo determinado para ocupar um cargo e acabam não estreitando relacionamento com seus vizinhos”, aponta Maira. Desta forma, ela começou a identificar alguns moradores que seriam potenciais empreendedores. “Pessoas que fazem salgados, doces ou até mesmo artesanato e que vendiam para o comércio ou para outros pontos de venda”, comenta. “E aí tivemos a ideia de começar uma feira com os moradores da quadra, que é uma oportunidade de eles venderem, divulgarem seus produtos, além de se conhecerem”, diz a idealizadora.

Maira ressalta que o fato de as pessoas ficarem confinadas, por conta da pandemia, também foi um ponto de partida para o projeto. “Algumas pessoas que estavam somente em casa, muitas delas deprimidas, começaram a se programar para vir até a feira. Então, creio que a feira estimula e dá às pessoas a esperança, não só de vender, mas de expor o produto e conversar, ter uma dinâmica diferente na sua vida”, esclarece.

Interação

Uma das expositoras da feira é a assistente social Tatyane de Camargo, 43. A moradora da quadra 101 vende seus cosméticos naturais, de aromaterapia e fitocosméticos desde a primeira edição e, para ela, a iniciativa ajudou — ainda mais — seu negócio. “Apesar de alguns moradores já conhecerem meu trabalho, muitos vizinhos, até mesmo do meu bloco, só passaram a conhecer os produtos depois da criação da feirinha”, frisa. “Tem sido bastante rica essa troca com os vizinhos e colegas. Muitos já compravam meus produtos antes mesmo da feira, mas agora nós passamos a marcar as entregas para os dias em que ela ocorre. Além disso, a exposição aqui aumentou a minha renda com as vendas dos cosméticos e o meu rol de conhecidos e de clientes”, esclarece.

Outra moradora da quadra que também participa da feira é Luciene Lontra, 60. Junto a sua irmã, ela vende vários tipos de alimentos congelados e, assim como Tatyane, acha que a ideia de criar o evento foi muito boa para o relacionamento entre os vizinhos. “Muita gente que expõe e/ou frequenta aqui, eu não conhecia antes e passei a interagir por causa da iniciativa”, afirma. “Os vizinhos estão dando muito apoio. Além disso, as crianças amam quando acontece a feira. Então, penso que a criação da feira não tem nem nota para dar”, brinca Luciene.

A moradora do bloco H diz que também vendia os produtos antes da feira, mas concorda que a utilização do espaço deixa tudo melhor. “Aqui é mais aconchegante tanto para nós, vendedores, quanto para quem frequenta, porque dá a possibilidade de conversar, podemos fazer tudo sem ter pressa”, observa. Além do lado comercial, Luciene diz que, particularmente, o evento também colabora na questão social. “Não conhecia, praticamente, nenhum vizinho. Com a feira, a gente conhece várias histórias, seja dos expositores ou de quem mora aqui e passei a interagir muito mais com os vizinhos, criando um laço melhor. É muito agradável”, confirma. “Eu mesma não sabia que a Tatyane vendia os cosméticos, apenas com a feira tive conhecimento disso. Descobri que somos vizinhas na quadra e na feira”, comenta.

A feira, além de bons negócios, é uma oportunidade para que o moradores da quadra possam se conhecer e trocar afinidades
A feira, além de bons negócios, é uma oportunidade para que o moradores da quadra possam se conhecer e trocar afinidades | Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Dever cumprido

Maira comemora que o objetivo principal da Feira da Quadra SQSW 101 tenha sido atingido em tão pouco tempo. “Nas duas quartas-feiras do mês que a gente promove o evento, por conta das atrações diversificadas, percebemos um aumento na interação, participação e opinião do público — sugerindo às vezes um novo expositor, horário ou músico para tocar na feira”, afirma. Imaculada Mantovani, 77, reside na quadra desde que ela foi construída, em 1999, e concorda que a feira ajudou bastante na questão da convivência. “Eu moro sozinha, então, isso é bom, pois acabo encontrando e criando uma relação com pessoas que moram próximas a mim, e eu nem imaginava. Todos os moradores ficaram felizes com essa iniciativa”, afirma. Para ela, com o passar das edições, a feira deve aproximar ainda mais a vizinhança, criando laços mais estreitos entre os moradores.

Algo que é percebido por Tatyane. Ela conta que o evento fortaleceu suas amizades. “(A feira) fez com que eu reencontrasse algumas colegas que não via mais, porque as crianças vão crescendo e não brincam tanto nos parquinhos”, lembra. “Então, ter esse momento a cada 15 dias, é muito importante para que a gente possa voltar com as amizades”, conclui a assistente social.

Vizinhos contam como fizeram amizade por intermédio dos animais de estimação

Arthur de Souza 

Luis Alberto e Gabrielle Cunha e suas cachorras: os animais aproximaram os tutores, que hoje são grande amigos, mesmo morando em áreas diferentes
Luis Alberto e Gabrielle Cunha e suas cachorras: os animais aproximaram os tutores, que hoje são grande amigos, mesmo morando em áreas diferentes | Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press

A servidora pública Gabrielle Cunha, 29 anos, e o empresário Luis Alberto Cueto, 65, criaram uma amizade a partir de um ponto em comum, o amor pelos pets. Eles eram vizinhos quando a história teve início e, mesmo depois que Gabrielle teve que se mudar, mantiveram o contato entre eles e também entre os animais.

“Os pets têm esse dom de unir as pessoas”, ressalta Gabrielle Cunha, dona da Filha, 3, uma cachorrinha da raça Lhasa Apso. Foi graças à sua pet que ela conheceu Luis Alberto. O empresário é dono da cadela Chanel, da mesma raça, 2, e mora no Sudoeste junto a sua cadelinha. Segundo a servidora pública, o primeiro contato entre os animais aconteceu pouco tempo depois que ela se mudou para o prédio onde Luis e Chanel moram. Certo dia, coincidiu de ambos levarem as cachorrinhas para passear no mesmo horário. “Chanel e Filha começaram a brincar e pular uma em cima da outra”, lembra Gabrielle.

“O Luis, que sempre foi muito gentil, falou que se eu quisesse deixar elas juntas, para que não ficassem sozinhas, poderia contar com ele a qualquer hora”, conta a servidora. E os “serviços” acabaram sendo necessários, pela primeira vez, alguns meses depois do primeiro contato entre Chanel e Filha. “No ano passado, depois que o período mais intenso da pandemia tinha passado, marquei uma viagem de 20 dias para visitar minha família, no Rio de Janeiro. Tinha combinado com outra pessoa de ficar com a Filha, só que ela, na última hora, não podia e acabei ficando sem saber o que fazer”, recorda.

Gabrielle diz que chegou a considerar colocar seu animal de estimação em um hotel, mas teve receio. Foi quando ela lembrou do que Luis havia dito no primeiro encontro entre as pets. “Perguntei se ele poderia cuidar dela durante a viagem. Ele aceitou prontamente e foi um sucesso. A Filha ficou muito bem na casa dele”, destaca. “Quando voltei, ela estava tão apegada e feliz com o Luis, que quase esqueceu a própria tutora”, brinca a servidora.

Desde então, os dois sempre trocaram favores do tipo, de acordo com Luis Alberto. “Quando a mãe (Gabrielle) dela viaja, cuido da Filha e dou o mesmo amor que a Chanel recebe”, diz com satisfação. A servidora pública dá mais detalhes: “E não é só em viagens. Em qualquer situação que precisamos nos ausentar durante um período mais prolongado, para que elas não fiquem sozinhas, nós deixamos uma na casa da outra. Várias vezes eu precisei sair e o Luis ficou com as duas, ou o contrário”, acrescenta. E o dono da Chanel não mede palavras ao comentar sobre as estadias da Filha em sua casa. “Para mim, é um privilégio quando preciso cuidar dela, não importa o tempo. Se for preciso ficar um ano com a Filha, vou amar”, destaca.

As cadelinhas ficam sempre juntas. Na imagem, elas estão no antigo apartamento de Gabrielle, quando ela ainda morava no Sudoeste
As cadelinhas ficam sempre juntas | Foto: Arquivo Pessoal

Opostos que se atraem

Luis conta que, quando estão juntas, Chanel e Filha sempre se divertem. No entanto, ele brinca, dizendo achar estranho como acabaram criando laços tão fortes. “Elas ficam muito bem adaptadas uma na casa da outra, e isso é bastante peculiar porque, apesar de a Chanel ser sociável, a Filha é mais retraída”, diz o empresário. Gabrielle comemora que essa aproximação tenha dado certo. “Dá para dizer que essa amizade foi boa para a sociabilidade da Filha, que passou a aceitar melhor o contato das pessoas”, afirma.

Os dois reforçam que, apesar de ainda não possuírem um relacionamento longo, as cadelinhas já têm histórias interessantes. “Sempre que uma vai até a casa da outra, já sabe o caminho certo”, aponta Luis. “Quando venho aqui com a Filha, ela nem pensa em ir para o apartamento antigo em que eu morava, vai direto para a casa do Luis”, detalha Gabrielle, que também conta outra situação engraçada. “Certa vez, quando ainda morava no Sudoeste, estava passeando com as duas em um local onde as pessoas costumam ir para jogar tênis. A Chanel invadiu a quadra e roubou as bolinhas. Pedi desculpas e justifiquei, afirmando que ela só queria brincar”, acrescenta.

Amizade expandida

Os vizinhos contam que, de forma inevitável, a aproximação entre Chanel e Filha fez com que eles também criassem uma amizade. “Eu e Gabrielle nos aproximamos da mesma forma que elas, espontaneamente. Desenvolvemos um relacionamento tão bom, que chega a parecer que somos da mesma família”, considera o empresário. “A gente sai juntos em passeios no parque, com as cadelinhas. Também almoçamos ou jantamos juntos. Nossa amizade é tão forte quanto a que elas têm”, afirma Luis.

A conexão se tornou tão forte que, mesmo depois de Gabrielle se mudar — do Sudoeste para a Asa Sul —, os agora “ex-vizinhos” mantiveram o contato entre os pets. “Me mudei do prédio há cerca de um mês. Mesmo assim, combinamos de manter o contato entre Chanel e Filha — para que elas possam brincar — assim como entre a gente. Então, a amizade está sendo mantida, apesar da distância”, conclui a servidora pública.