Vizinhos contam como fizeram amizade por intermédio dos animais de estimação

Arthur de Souza 

Luis Alberto e Gabrielle Cunha e suas cachorras: os animais aproximaram os tutores, que hoje são grande amigos, mesmo morando em áreas diferentes
Luis Alberto e Gabrielle Cunha e suas cachorras: os animais aproximaram os tutores, que hoje são grande amigos, mesmo morando em áreas diferentes | Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press

A servidora pública Gabrielle Cunha, 29 anos, e o empresário Luis Alberto Cueto, 65, criaram uma amizade a partir de um ponto em comum, o amor pelos pets. Eles eram vizinhos quando a história teve início e, mesmo depois que Gabrielle teve que se mudar, mantiveram o contato entre eles e também entre os animais.

“Os pets têm esse dom de unir as pessoas”, ressalta Gabrielle Cunha, dona da Filha, 3, uma cachorrinha da raça Lhasa Apso. Foi graças à sua pet que ela conheceu Luis Alberto. O empresário é dono da cadela Chanel, da mesma raça, 2, e mora no Sudoeste junto a sua cadelinha. Segundo a servidora pública, o primeiro contato entre os animais aconteceu pouco tempo depois que ela se mudou para o prédio onde Luis e Chanel moram. Certo dia, coincidiu de ambos levarem as cachorrinhas para passear no mesmo horário. “Chanel e Filha começaram a brincar e pular uma em cima da outra”, lembra Gabrielle.

“O Luis, que sempre foi muito gentil, falou que se eu quisesse deixar elas juntas, para que não ficassem sozinhas, poderia contar com ele a qualquer hora”, conta a servidora. E os “serviços” acabaram sendo necessários, pela primeira vez, alguns meses depois do primeiro contato entre Chanel e Filha. “No ano passado, depois que o período mais intenso da pandemia tinha passado, marquei uma viagem de 20 dias para visitar minha família, no Rio de Janeiro. Tinha combinado com outra pessoa de ficar com a Filha, só que ela, na última hora, não podia e acabei ficando sem saber o que fazer”, recorda.

Gabrielle diz que chegou a considerar colocar seu animal de estimação em um hotel, mas teve receio. Foi quando ela lembrou do que Luis havia dito no primeiro encontro entre as pets. “Perguntei se ele poderia cuidar dela durante a viagem. Ele aceitou prontamente e foi um sucesso. A Filha ficou muito bem na casa dele”, destaca. “Quando voltei, ela estava tão apegada e feliz com o Luis, que quase esqueceu a própria tutora”, brinca a servidora.

Desde então, os dois sempre trocaram favores do tipo, de acordo com Luis Alberto. “Quando a mãe (Gabrielle) dela viaja, cuido da Filha e dou o mesmo amor que a Chanel recebe”, diz com satisfação. A servidora pública dá mais detalhes: “E não é só em viagens. Em qualquer situação que precisamos nos ausentar durante um período mais prolongado, para que elas não fiquem sozinhas, nós deixamos uma na casa da outra. Várias vezes eu precisei sair e o Luis ficou com as duas, ou o contrário”, acrescenta. E o dono da Chanel não mede palavras ao comentar sobre as estadias da Filha em sua casa. “Para mim, é um privilégio quando preciso cuidar dela, não importa o tempo. Se for preciso ficar um ano com a Filha, vou amar”, destaca.

As cadelinhas ficam sempre juntas. Na imagem, elas estão no antigo apartamento de Gabrielle, quando ela ainda morava no Sudoeste
As cadelinhas ficam sempre juntas | Foto: Arquivo Pessoal

Opostos que se atraem

Luis conta que, quando estão juntas, Chanel e Filha sempre se divertem. No entanto, ele brinca, dizendo achar estranho como acabaram criando laços tão fortes. “Elas ficam muito bem adaptadas uma na casa da outra, e isso é bastante peculiar porque, apesar de a Chanel ser sociável, a Filha é mais retraída”, diz o empresário. Gabrielle comemora que essa aproximação tenha dado certo. “Dá para dizer que essa amizade foi boa para a sociabilidade da Filha, que passou a aceitar melhor o contato das pessoas”, afirma.

Os dois reforçam que, apesar de ainda não possuírem um relacionamento longo, as cadelinhas já têm histórias interessantes. “Sempre que uma vai até a casa da outra, já sabe o caminho certo”, aponta Luis. “Quando venho aqui com a Filha, ela nem pensa em ir para o apartamento antigo em que eu morava, vai direto para a casa do Luis”, detalha Gabrielle, que também conta outra situação engraçada. “Certa vez, quando ainda morava no Sudoeste, estava passeando com as duas em um local onde as pessoas costumam ir para jogar tênis. A Chanel invadiu a quadra e roubou as bolinhas. Pedi desculpas e justifiquei, afirmando que ela só queria brincar”, acrescenta.

Amizade expandida

Os vizinhos contam que, de forma inevitável, a aproximação entre Chanel e Filha fez com que eles também criassem uma amizade. “Eu e Gabrielle nos aproximamos da mesma forma que elas, espontaneamente. Desenvolvemos um relacionamento tão bom, que chega a parecer que somos da mesma família”, considera o empresário. “A gente sai juntos em passeios no parque, com as cadelinhas. Também almoçamos ou jantamos juntos. Nossa amizade é tão forte quanto a que elas têm”, afirma Luis.

A conexão se tornou tão forte que, mesmo depois de Gabrielle se mudar — do Sudoeste para a Asa Sul —, os agora “ex-vizinhos” mantiveram o contato entre os pets. “Me mudei do prédio há cerca de um mês. Mesmo assim, combinamos de manter o contato entre Chanel e Filha — para que elas possam brincar — assim como entre a gente. Então, a amizade está sendo mantida, apesar da distância”, conclui a servidora pública.

Moradores da mesma quadra de Brasília unidos pelo talento na cozinha

Liana Sabo

Na foto, Neide Pimenta e Charles Marar
Na foto, Neide Pimenta e Charles Marar | Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press

Vizinhos não são só os de porta. Podem morar no mesmo bloco e se sentir vizinhos. Ou até mesmo de quadra. Há quem se considere vizinho de alguém que resida a uma distância mínima, capaz de ser percorrida a pé: de um bloco para outro. Como no caso do publicitário Charles Marar. Ele até consegue ver do seu próprio apartamento se há luz acesa na cozinha da “vizinha” Neide Pimenta Magalhães, residente em outro bloco da mesma 216 Sul.

A luz acesa ou alguma movimentação é a senha para ele ligar e perguntar com franqueza: “O que você está fazendo?” Invariavelmente, Neide estará cozinhando. Depois da família (filhos, noras, netos e o novo neto Theo, de quatro meses), e dos amigos, a paixão dela é fazer comida. Às vezes até o trivial, mas o que mais a inspira é mesmo o gosto requintado. De um prato tradicional, como a canjiquinha mineira, feita de costelinha de porco, Neide extrai uma explosão de sabores e texturas que não ficam devendo a nenhuma iguaria. Ser convidado para degustar a canjiquinha é um privilégio ímpar. Charles não perde nenhuma chance.

Nascida em Sabinópolis, interior de Minas, Neide viveu no estado por 18 anos quando se casou e foi morar em Aracaju por cinco anos. De lá veio à capital, onde passou a trabalhar no serviço público. O interesse pela gastronomia surgiu depois que o primogênito, já formado, voltou de Londres e passou a cozinhar, aos domingos, mostrando o que aprendera no trabalho em restaurantes. “Foi assim que a luzinha se acendeu e comecei a me interessar pelo tema fazendo as primeiras aulas com a chef Susana Leste na garagem de sua casa na W-3 Sul”, conta a aprendiz de mestre cuca, que também acompanhou as aulas dadas no restaurante Alice, no Lago Norte.

Ela também entende muito de vinho e participa dos cursos da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-DF) com degustações que a deixam apta a harmonizar a bebida com o extenso e variado cardápio de sua autoria.

Outro prato que ela elabora com maestria é o pernil inteiro pururucado. Aliás carne suína é a sua predileção. Embora de origem árabe, o vizinho Charles não é muçulmano, por isso não está impedido de consumir porco — ingrediente vedado a árabes e judeus. Como todo o cristão, ele pode perfeitamente se deliciar com esse tipo de carne macia, saborosa e cada vez mais gastronômica. O que dizer da maciez da raça Duroc, que está conquistando os paladares?

Comida de beduíno

Charles tem nas veias o DNA da boa cozinha. A mãe, Najila Marar, jordaniana de 91 anos, que mora desde 1948 em Bauru (SP), até a pandemia vinha sempre a Brasília preparar o jantar de aniversário do filho, no mês de maio. Na mesa, a culinária árabe, uma das mais antigas e aromáticas do mundo, reinava com uma série de pratos todos feitos artesanalmente, como homus, quibe de bandeja, kafta de forno, arroz com lentilha, babaganuche, coalhada e o exclusivíssimo Mansaf, que tem na base, pão de folha e por cima, arroz de açafrão e carne de cordeiro cozida na coalhada com snobar (pinoli) frito na manteiga.

“Trata-se de uma comida típica de beduíno, que é consumida no deserto com as mãos, daí o pão servir de prato”, esclarece a brasiliense Isadora Marar, formada em nutrição e personal chef com especialização na cozinha árabe/jordaniana, que aprendeu com a avó Najila. “Quando meus filhos eram pequenos, a minha avó passava temporadas comigo me ensinando todas as receitas desenvolvidas por ela”, lembra a neta.

Na foto, Neide Pimenta e Charles Marar
Na foto, Neide Pimenta e Charles Marar | Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press

Já o pai Charles, que também apreendeu com Najila a preparar esse banquete — cuja fartura e generosidade são uma das principais marcas da hospitalidade árabe —, nunca transformou a habilidade em negócio e sempre cozinhou para os amigos. Há dois anos, porém, não podendo receber em casa por causa da covid-19, é a filha que abastece a sua despensa e geladeira. De falafel, esfirras, homus, chanclife e outras iguarias confeccionadas por ela e oferecidas todos os sábados na feira da QI 13 do Lago Sul. “Meu pai gosta de cozinhar para as pessoas”, entrega Isadora.

Apenas amigos

“Sozinhos há mais de duas décadas, Charles e Neide bem que poderiam casar,” propõe Najila, que gostaria muito que o filho tivesse alguém. “O casamento não iria durar um só dia”, reage, com humor, Neide, ciente das diferenças de temperamento e idiossincrasias de cada um. Melhor assim, para não interromper uma amizade profunda e firme que nem a crise sanitária abalou.

Recluso por um ano e meio, Charles quando revolveu sair de casa foi comer na cozinha da Neide, um espaço amplo e equipado com muito bom gosto. Ela também é perita na decoração de mesa e o faz com muitos recursos, graças à coleção de objetos e louças, afinal um dos filhos é sócio-proprietário da principal loja de equipamentos para hotéis e restaurantes da cidade.

Neide também investe na fórmula “viajar para comer”. Ela fez parte da primeira excursão enogastronômica que o ex-adido cultural e de imprensa da Embaixada da França Christian Couesmes, promoveu, no verão europeu de 2003, para a Borgonha e Jura, tendo como destaque “um jantar inesquecível na fabulosa casa de Paul Bocuse em Lyon”, como dizia o programa. Após elogiar a qualidade da comida, Neide escreveu no diário de viagem: “Um jantar no Paul Bocuse nos impele a atitudes mais comedidas, mas isto não aconteceu. Somos um povo alegre, barulhento, feliz e não ficamos tolhidos numa cultura que não é a nossa.

Ficamos muito à vontade, rimos alto, brincamos sem deixar de sentir o prazer de um jantar à francesa, quando o serviço é perfeito e descontraído, muito mais confortável do que um buffet”. A experiência na França serviu para aprimorar a atuação nos sabores.

Donos de tradicionais lojas da Asa Sul compartilham histórias de amizade

Edis Henrique Peres

Francisco de Andrade proprietário da Casa Renato e seu amigo vizinho Jean Souza(cam. Azul)
Francisco de Andrade proprietário da Casa Renato e seu amigo vizinho Jean Souza (cam. Azul)

Duas das lojas mais antigas da comercial 308 Sul têm uma história de amizade entre os proprietários que começou ainda na infância, quando eles eram levados pelos pais para trabalhar no período de férias ou no contraturno das aulas. Ao longo de mais de 50 anos como vizinhos de parede, Jean Skaf, 55 anos e proprietário da loja de roupas Sua Casa Malhas; e Francisco de Andrade, 63 anos, da loja agropecuária Casa Renato, compartilham visitas em jogos clássicos de futebol e solidariedade em momentos dolorosos na vida um do outro.

“Passamos o tempo inteiro na loja, até mais do que ficamos em casa, então essa relação saudável entre a vizinhança do comércio é interessante, porque um ajuda o outro. Quando precisa trocar dinheiro, quando tem algum problema ou algum lojista está em dúvida sobre a índole de alguém, por exemplo, essa parceria é muito importante. Os comércios vizinhos são de pessoas muito presentes no cotidiano e esse vínculo se cria naturalmente. E com o Francisco, isso é ainda mais forte”, destaca Jean.

A loja de roupa Sua Casa Malhas foi aberta pelo pai de Jean em 1968. “Meu pai veio do Líbano. Primeiro ele parou no Porto de Santos, depois foi para São Paulo, seguiu para Bela Vista, no interior de Goiás, onde morava o meu tio. E, de lá, ele veio para Brasília e trouxe a família, para começar uma nova etapa da vida. Eu cheguei no Brasil com um ano e meio de idade. A loja foi aberta em novembro de 1968”, detalha.

Com o tempo, a cordialidade entre os vizinhos de comércio foi evoluindo, até se transformar em amizade. “Eu cresci na quadra e o Francisco começou a trabalhar com o pai. A minha amizade com ele dura 45 anos e sempre foi marcada pela lealdade e pela dignidade. Eu, inclusive, fui padrinho de casamento dele. Sempre estamos juntos. Saímos para almoçar juntos. Ele é um irmão que Deus colocou no caminho da minha vida. E é algo natural, porque no dia a dia estamos ali, na loja, se vendo”, argumenta.

Acolhimento

Francisco, da agropecuária Casa Renato, conta um hábito dos amigos. “Costumamos tomar um café da tarde, quase todos os dias juntos, aqui de frente para as duas lojas. Isso é por volta de 16h40. Quando o papo está bom, só saio de lá quando os meninos começam a baixar as portas da loja”, confessa. “Nesse momento aproveitamos para conversar de tudo: futebol, sobre o comércio, algo que aconteceu na nossa vida, de política meio de leve, para não ter discussão”, acrescenta.

A Casa Renato foi fundada em 1962, quando os pais de Francisco chegaram de Minas Gerais. “Meu pai tinha alguns negócios que não estavam dando certo, então ele decidiu vir para Brasília para recomeçar. Em 1961 ele já tinha visitado um amigo aqui e, no ano seguinte, decidiu vir de vez. Cheguei quando tinha 4 anos, mas me considero de Brasília”, ressalta.

Jean tem o mesmo vínculo com a capital que o recebeu de “braços abertos”. “Aqui é onde eu cresci, onde vivo e criei meus filhos, tenho meus amigos, é uma cidade iluminada. Uma cidade que parece que tem um imã que atrai a gente. Mesmo que você viaje, você fica louco para voltar. Amo Brasília em toda a plenitude. Um dos meus pontos prediletos é o laguinho da 308 sul, em frente ao Bloco F, pois ia muito lá na minha infância. Além dele, tem a Igrejinha de Fátima”, conta.

Sobre o vínculo com a famosa Igrejinha, Jean confessa: “vou para lá quando preciso encontrar paz. Sempre frequentei a missa com meus pais quando criança, e quando preciso de um momento de reflexão, encontrar alguma solução, pensar no cotidiano, sento nos banquinhos ao lado da Igrejinha e fico ali”, menciona.

Paixão pelo futebol

Os dois amigos também estiveram presentes nos momentos importantes da vida um do outros. “O Francisco costuma vir à loja aos domingos cuidar dos passarinhos e uma vez ele chegou e ouviu um barulho dentro da minha loja e me avisou que alguém a estava invadindo. Por causa disso, consegui chegar a tempo de prender o homem dentro da loja até a polícia chegar”, explica.

Os lojistas, contudo, são apaixonados por times rivais no futebol: Jean é flamenguista e Francisco é torcedor do Fluminense. Jean lembra que ficou “traumatizado” com a disputa de 1995, do Fla-Flu, no Maracanã. “Fiquei insistindo com o Francisco para a gente ir assistir, até que ele aceitou. A gente conseguiu uma passagem e o ingresso do jogo de última hora e fomos para o Rio de Janeiro. Mas aí, o Flamengo perde de 3 a 2 para o Fluminense com o gol de barriga do Renato Gaúcho”, lamenta.

Francisco se lembra do episódio. “Eu não queria ir, porque duvidava da vitória do Fluminense. No fim, o Jean voltou meio triste depois da vitória do Fluminense, mas mesmo assim, a gente se divertiu bastante na viagem”, destaca. O proprietário da Casa Renato salienta que a amizade, muito além dos momentos divertidos, foi importante para superar os desafios impostos pela vida. “Quando meu pai morreu o Jean meu deu força. Assim como eu estive com ele na morte da mãe dele. É sempre assim. Nesses momentos uma pessoa pode conversar com o outro, desabafar”, complementa.

Parceria

A parceria entre os comerciantes da quadra não se restringe aos lojistas históricos da 308. Valéria Soares, 61 anos, da loja Tribalistas, chegou em 2020, mas se sente bem recebida e é participativa nos grupos dos proprietários. “Vim para cá (308 Sul) por causa da pandemia, que obrigou muita gente a fechar suas lojas e bagunçou as finanças das pessoas. Antes, a Tribalistas ficava dentro de um shopping. E muda bastante ser uma loja de rua, porque aqui a gente se une para se ajudarem, por exemplo, na questão de segurança”, observa.

Valéria detalha que os lojistas possuem um grupo no WhatsApp para se comunicar e organizar diversas ações na quadra comercial. “Quando é época festiva, de Natal, por exemplo, nos preparamos para decorar a quadra e deixar tudo bonito, cada um colaborando de uma forma. Há um engajamento muito grande entre todos, de ajuda. E com o tempo, todo mundo vai conversando, formando amizades, compartilhando um pouco de si com o outro”, expõe.

Paixão pela cultura gera amigos de luta e de poesia na cena artística do DF

Edis Henrique Peres

Edis Henrique Peres/CB/DA Press
Vicente Sá (E) e Renato Matos, são amigos e compartilham entre si músicas brasilienses | Foto: Edis Henrique Peres/CB/D.A. Press

Unidos pelo amor à arte, artistas plásticos, poetas e produtores culturais encontraram no companheirismo não apenas um vínculo de amizade sólida, mas também um laço familiar. “Uma relação que foi se construindo e se fortalecendo ao longo do tempo e que hoje faz com que sejamos mais que amigos, somos praticamente irmãos”, define Lúcia Leão, 66 anos, coordenadora do Espaço Cultural Leão da Serra. A amazonense deixou o estado natal para ir estudar no Rio de Janeiro, mas em 1977 se mudou da cidade carioca e veio construir a vida em Brasília. Produtora cultural, ela conta que logo que chegou à capital  conheceu o artista plástico Renato Matos, 70, que nos anos seguintes se tornaria um grande amigo. O também cantor e compositor lembra do começo dessa parceria com orgulho: “Foi ela (Lúcia) que produziu meu primeiro disco. Uma história antiga, mas uma história maravilhosa”.

As idas e vindas dessa amizade uniu um terceiro artista ao grupo: o marido de Lúcia, o poeta Vicente Sá, 65. “Eu conhecia Renato de vista, mas ainda muito pouco. Depois produzimos alguns projetos juntos e, por causa da Lúcia, nossa relação foi se estreitando. Então aconteceu que há cerca de nove anos ele precisava de um local para montar seu ateliê e tínhamos um espaço na propriedade. Agora ele é nosso vizinho”, relata. “Como não é muito longe uma casa da outra, a gente costuma se encontrar para conversar no meio do caminho”, brinca Vicente.

A afinidade garante, inclusive, colaborações em trabalhos artísticos. “Temos músicas que escrevemos juntos, eu e o Renato. É um trabalho que fazemos constantemente. De vez em quando, outros amigos vêm até aqui, de 15 em 15 dias, para compormos algo, em um exercício de produção. Tem dia que dá certo, outros que não tem resultado. Mas com essa prática já temos umas dez músicas escritas. Outras vezes, eu também vou ao ateliê do Renato ver os quadros em que ele está trabalhando. Somos grandes parceiros do trabalho um do outro”, garante Vicente.

Luta pela cultura

Natural de Pedreira, Maranhão, Vicente Sá chegou em Brasília aos 11 anos de idade, em 1968. “Ainda era ditadura. Meus pais vieram para cá porque meu irmão mais velho passou na UnB (Universidade de Brasília) então todo mundo veio junto. Sou o mais novo de 19 irmãos. No fim, Brasília influencia muito o que produzo, porque praticamente me criei aqui, morei em várias regiões administrativas e semanalmente publico crônicas em minhas redes sociais sobre a cidade”, cita.

Lúcia conta que por muito tempo disse que Brasília era uma cidade sem avós. “As pessoas vinham para cá separadas da família, sem ter os parentes mais próximos morando aqui. Então quando você precisava de alguma coisa, que seriam situações que geralmente pedimos ajuda para a nossa mãe, irmã, ou algum familiar, aqui em Brasília contávamos com nossos amigos. Então são esses amigos que vão se tornando essas pessoas com laços profundos, de relações muito sólidas. Os amigos tem que contar com os outros para criar essa rede de solidariedade, e não somente porque somos artistas e enfrentamos desafios parecidos, mas porque somos gente”, defende.

“Uma relação que foi se construindo e se fortalecendo ao longo do tempo e que hoje faz com que sejamos mais que amigos, somos praticamente irmãos”

Lúcia Leão, coordenadora do Espaço Cultural Leão da Serra

Donos das pizzas Dom Bosco e Albert’s são amigos desde os anos 1960

Arthur de Souza

 Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Enildo (E) e José Juarez: uma amizade sólida que superou crises econômicas

Alguém poderia imaginar que, de uma rivalidade entre os dois times considerados os maiores de Minas Gerais, fosse surgir uma amizade que dura mais de 50 anos? Pois é justamente o que acontece com Enildo Veríssimo Gomes, 76 anos, um dos atuais donos da Pizzas Dom Bosco; e José Juarez Santana Neves, 82, proprietário da Albert’s, uma loja de vestuário.

Os dois empreendimentos estão localizados na rua comercial da 107/108 Sul desde os anos 1960 e, de acordo com Juarez, o primeiro contato entre os dois aconteceu quando ele foi até a pizzaria. “Ele sempre foi muito brincalhão e, nesse dia, (o Enildo) estava falando sobre futebol — eu sou torcedor do Atlético-MG e ele, do Cruzeiro. A partir daí, se consolidou essa relação que dura até hoje”, lembra. O dono da loja de vestuários brinca com a situação que ocorreu na época, dizendo que “juntou uma sopa de galo com uma de raposa”. Entre risadas dos dois amigos, Enildo não perde tempo e, atestando o adjetivo dado pelo vizinho de comércio, alfineta José. “Mesmo na situação atual, o Cruzeiro continua sendo o maior de Minas”, comenta.

Teimosos

Sobre o longo período da relação, os amigos comentam que a aproximação foi um dos fatores essenciais para que ambos ‘sobrevivessem’ com seus comércios. “Com todas as crises que o país passou durante esses anos, muita gente fechou ou abandonou o negócio, mas eu e o Juarez somos teimosos e, mesmo que devagarinho, continuamos”, frisa Enildo. “E a amizade ajudou bastante nisso. Um sempre favorece o outro, seja trocando ideias — apesar de sermos de ramos diferentes —, dando dicas, etc.”, aponta.

O dono da Dom Bosco também lembra que, durante algumas das crises — inclusive na época da ditadura — enquanto todo mundo reclamava, ele e o amigo continuavam focados no nosso trabalho. “Sempre se ajudando. E naquele tempo, ainda tinham mais pessoas, donos de outros comércios, que também colaboraram. Hoje em dia, somos os sobreviventes”, complementa Enildo.

Além da questão comercial, eles brincam com o fato de serem os dois que — da época em que os estabelecimentos foram abertos — ainda estão vivos. “Quase todos já ‘foram embora’, mas ainda estamos persistindo. Os dois teimosos que ainda não foram escalados lá para cima”, diz Juarez. “E vamos continuar essa amizade enquanto Deus permitir que a gente esteja aqui. Só que a nossa intenção é bater o pé e ficar por mais algum tempo”, garante Enildo.

Os empresários também pregam que, além da amizade entre eles, as famílias também se uniram, com um levando parentes para serem clientes da loja do outro. “Eu comecei a levar o meu filho para comer a pizza lá. De lá para cá, ele também passou a levar meu neto e assim vai indo. Tenho a honra de ser amigo e frequentar o estabelecimento dele durante todo esse tempo, com toda a minha família, e será desse jeito enquanto a loja durar”, promete Santana. “Com a minha família é a mesma coisa. Na hora de comprar uma roupa ou um presente qualquer, sempre é na loja do Juarez. Todos compram aqui”, destaca Enildo. Sobre a troca entre as famílias, Veríssimo lembra que o amigo tem decorado todas as medidas de cada um de seus entes. “Quando está chegando perto da data de algum aniversário, por exemplo, ele já sabe até qual é o tamanho da roupa”, atesta.

Brincadeira

Nessa longa história de amizade entre os comerciantes, eles acumularam muitas situações em que um acabou pregando peças no outro. Com medo de que Enildo fosse se chatear, José Juarez teve receio de recordar um dos fatos mais marcantes e hilários, que ocorreu há cerca de 15 anos. Contudo, o dono da pizzaria o relata com muitas risadas. “Ele estava de férias e a loja, por consequência, fechada. Só que eu resolvi fazer uma brincadeira e dizer para os clientes que apareciam que ele tinha quebrado e desistido do negócio”, conta Enildo. “Quando ele voltou, todo mundo ficou perguntando o que tinha acontecido”, comenta. “Ele fez isso mesmo, falou que eu tinha ido embora e não ia mais voltar”, lembra o dono da loja de roupas. “Quando abri de novo, o pessoal chegava dizendo: ‘Ainda bem que o senhor voltou, seu Juarez’. Aí eu perguntei ‘Voltei de onde? Só estava de férias’. Ele gosta de fazer esse tipo de brincadeira”, destaca.

Enildo afirma que existem outras histórias como essa, mas lamenta que sejam somente com quem é vizinho de longa data. “Essa proximidade entre comércios vizinhos já se tornou coisa rara. Tem gente que fica com uma rivalidade boba e nem conversa com o dono da loja que está do lado. Acho que isso acontece por serem gerações diferentes. Nós somos do tempo em que todo mundo conversava e tinha uma amizade legal”, observa. “Na época que nos conhecemos, todo mundo era muito humano, muito unido. Era normal você ver pessoas que chegavam em um restaurante, comia e voltava para pagar só no outro dia. Eu mesmo já tive um caderninho que anotava os famosos fiados”, completa Juarez.