Primeiros moradores de Brasília contam do que mais sentem saudade

Talita de Souza

Há 62 anos, Brasília era inaugurada como a nova capital do país. Entre um presidente orgulhoso de cumprir a promessa eleitoral e centenas de trabalhadores que ergueram prédios e monumentos em tempo recorde, a história da cidade começava como uma folha em branco onde cada morador poderia escrevê-la junto com a nova capital. 

As primeiras décadas da cidade foram como a adolescência de qualquer um: ousada, cheia de descobertas e primeiras vezes. Foram os primeiros moradores e nascidos aqui os responsáveis por marcar a cidade com memórias e lugares que fizeram da capital um lar. De uma asa a outra, do lado de cá e do lado de lá do Lago, entre teatros que não existem mais e movimentos punks que marcaram a história nacional, o legado que a primeira geração da cidade deixou ressoa até hoje na cidade. 

Ao Correio, alguns estreantes da cidade lembraram como era a capital e revelaram do que mais sentem falta aqui. Confira!

De 6 km a pé para ver o Rei do Pop até ajudar o “primeiro” morador de rua Minha Brasília

Ginásio Nilson Nelson, nas primeiras décadas de Brasília. O local já era o point para receber shows e entreter moradores da cidadeA frase “quem quer dar um jeito” nunca foi tão adequada para definir um dos momentos mais marcantes da vida de Orlando Trindade, 61 anos, na capital. Morador de Brasília desde os seis meses de idade, Orlando lembra de um dos momentos que parou a história dele: um show de ninguém mais e ninguém menos que o Rei do Pop, em 1974. Na época, no entanto, Michael Jackson ainda era apenas um dos Jackson’s Five, grupo que tinha com os irmãos e que o revelou ainda na infância. 

Morador da 410 Sul, Orlando soube que a banda estadunidense que já havia aparecido de vez em quando na TV de tubo dele iria estar em Brasília, no Ginásio Nilson Nelson. O problema era que o show era muito caro e a turma aceitou que não poderia viver o momento. 

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Orlando Trindade desfrutou Brasília por completo: junto com os amigos ele andou 6 km a pé para ver um show dos Jackson’s Five

Mas a sorte mudou e, por um imprevisto, a banda não pôde chegar no dia marcado e a gestão do evento decidiu abrir o show para todos os moradores de Brasília. Essa foi a chance do grupo de amigos que, agora, só precisava superar um pequeno obstáculo: a distância de 6 km entre a quadra deles e o local do show. 

“Não tinha ônibus para lá. Eles abriram de graça para todo mundo e eu e minha turminha só pensamos em ir. Fomos a pé, da 410 sul até o Ginásio. Eu tinha acabado de machucar meu pé, mas a gente não pensava em nada disso, a gente só pensava em ir e ver o show. E a apresentação marcou a minha vida. Caramba! Que coisa maravilhosa! Eles ali, cantando, dançando, em inglês. Caramba! Um amigo meu teve que me carregar nas costas, mas foi incrível”, lembra Orlando, aos risos. No total, o grupo teve que percorrer 12 quilômetros a pé para viver o momento e voltar para casa. 

No entanto, esse foi apenas um momento de uma geração que, segundo Orlando, era viciada em viver e fazer viver. Prontos para tudo, poderiam dizer. Inclusive para um possível resgate. 

“Por volta da mesma época, o Correio e o telejornal da época deram a notícia de que havia um mendigo na cidade. Meus amigos e eu juntamos comida, roupas e saímos por Brasília inteira para achar e ajudar essa pessoa. A gente não achou”, conta. “Mas era comum a gente fazer aquilo. Hoje, a gente tem milhares de mendigos na cidade e ninguém tá nem aí para ninguém”, lamenta Orlando. 

Do acampamento dos construtores vieram os amigos e o amor eterno

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Oneide Soares escolheu Brasília para trabalhar, mas descobriu o amor. Ela e o marido se conheceram em um acampamento para construtores de Brasília. “Amor à primeira vista”

Um amor arrebatador. Oneide Soares, de então 19 anos, não imaginava que vir do Piauí com a família, para atender um desejo da mãe em conseguir mais trabalhos como costureira, iria fazer com que ela encontrasse o amor da vida dela, bem no meio de um acampamento improvisado para construtores de Brasília. 

Ela chegou à capital na década de 1970 e se instalou em uma espécie de quitinete na Candangolândia, no Acampamento dos Engenheiros, destinado a engenheiros, construtores e qualquer outro tipo de trabalhador que viesse para a construção de Brasília. 

Logo conheceu o vizinho, que veio de Minas Gerais. Ele contou que o irmão dele morava com ele na Capital, mas decidiu voltar. Quando ela viu José Roberto pela primeira vez, em 1980, teve a certeza que era alguém especial. Entre as ruas que não eram asfaltadas e apoiados nas paredes de madeira do Acampamento, os dois trocavam olhares, algumas conversas…

Por um ano inteiro, não se desgrudaram. “Éramos inseparáveis. Eu estudava à noite e ele me buscava. No tempo livre, íamos para o clube do grêmio, que era nossa diversão, a gente ia lá, de manhã era piscina e à tarde, churrasco. Íamos andando, não tinha tempo ruim”, lembra.  “Em outros domingos, a gente ia ao cinema, no Conjunto Nacional, mas só se a sessão acabasse antes das 22h, porque se não não teria ônibus para voltar”, conta aos risos. 

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O marido de Oneide, José Roberto, com o primeiro filho do casal, em frente à casa deles na Candangolândia, em 1982 | Foto: Arquivo pessoal

A rotina, no entanto, não era suficiente. Oneide e José Roberto queriam dividir uma vida juntos. “Um ano depois, a gente já estava casado. Foi amor. Amor à primeira vista. E amor que não coube só na gente. Em 1982, eu já estava ganhando meu primeiro filho”, conta emocionada. 

Juntos, os dois fizeram da casa deles e, do acampamento, uma espécie de grande família. “Todo mundo era amigo de todo mundo. Todos viviam na casa um do outro, não tinha isso de individualismo. Tudo era festa. A gente fazia festa junina, barraquinha, concurso de quadrilhas”, lembra com felicidade. 

Hoje, Oneide afirma que não imaginava viver uma vida tão boa em Brasília.  “E eu sinto falta. Hoje, todo mundo tem que trabalhar, trabalhar e trabalhar, e não tem tempo”, diz. Mas ela ainda afirma que a capital continua sendo um lar para ela, os filhos, os netos e para o grande amor da vida dela, José Roberto. “Estamos juntos até hoje, graças a Deus, né?”

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Oneide e os netos. A piauiense lembra com amor do começo da história da família dela em um Acampamento destinado para construtores de Brasília

Do Gilberto Salomão a entrar de penetras em festas

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Centro Comercial Gilberto Salomão, considerado o point dos jovens das primeiras décadas de Brasília |Foto: Arquivo Público do DF

Marco Jardim pode dizer que não só conhece a essência de Brasília, mas também é parte dela. O brasiliense foi um dos primeiros bebês a nascer na nova Capital, em novembro de 1960. O pai dele, de Diamantina (MG), veio para a cidade em 1959, um verdadeiro pioneiro. 

É com esse espírito desbravador, herdado dos pais, que Marco viveu os primeiros anos da vida dele. Desde cedo, é apaixonado por conhecer todos que cruzam o caminho dele. A missãonunca foi muito difícil, já que na mesma época ele lembra que todos tinham o mesmo pensamento. 

“Até entrar de penetra a gente entrava. Se a gente estava na 111, conversando com as pessoas, sabíamos que tinha uma festa na casa de alguém na 113 e a gente ia, empolgado, chegar até lá e tentava entrar de penetra”, lembra aos risos.

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Um dos primeiros a nascer em Brasília, em novembro de 1960, Marco Jardim lembra que o Gilberto Salomão era o point da época, onde conheceu vários amigos — e cultura também

“Sexta, sábado e domingo era o Gilberto Salomão, o point da época. A gente sentava com todo mundo e sempre conhecia gente nova”, lembra Marco.  Para ele, a maior riqueza de Brasília é conviver com diferentes culturas. 

“Eu sentava em uma mesa com três, quatro pessoas e perguntava de onde eram. Numa mesma mesa tinha quatro estados, quatro culturas e a troca de conhecimento era enorme. Isso é riqueza”, lembra, empolgado. 

“É um privilégio conviver com pessoas diferentes e eu sei que não teria isso em outros lugares do Brasil. Eu até brincava que eu era mineiro, gaúcho, paulista, porque na época o brasiliense não tinha uma identificação própria, nós éramos todos”, conta. “Essa vivência de comunidade, de todos se conhecerem, é o que eu sinto mais falta”, suspira.

O teatro que apresentava o Brasil, o mundo, e marcava vidas

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Teatro Nacional de Brasília, nos anos 80. O local recebeu grandes artistas e espetáculos e deixou saudades para os brasilienses que amavam arte

Do interior baiano, Antonilia Marra sempre aspirou descobrir o Brasil além dos limites de Barreiras (BA), uma cidade que, na década de 1960 oferecia apenas um viés da agricultura. Por esse motivo, quando ela viu que a tia e duas irmãs dela viriam a Brasília, logo avistou uma oportunidade de encontrar um novo lugar para alcançar o que ela nem mesmo sabia na época: viver a plenitude do mundo, da cultura e da poesia.

“Na minha cidade, dependia muito de agricultura, não tinha outras oportunidades. Minha vida ia ser muito diferente lá e eu tinha uma ambição de não ficar na mesmice, queria crescer. Apesar de não ter muito conhecimento do que era aqui, eu queria e precisava fazer algo para viver outras coisas”, lembra.

Ela contou ao pai que a cidade era uma oportunidade de trabalho e, apoiada por ele, chegou à capital aos 16 anos, em 1976. Logo Antonilia se encantou com o design da cidade, os ares modernos e “o clima super agradável”.

Entre passeios no Parque da Cidade e no Conjunto Nacional, ela se satisfazia em ver que a vida poderia ser mais do que só trabalho. No entanto, foi apenas quando pisou no Teatro Nacional que teve a certeza de que encontrou o que buscava: um lugar que a levaria a conhecer o mundo e a ser inspirada pela arte. 

“Era o lugar que eu mais gostava de ir. Era uma oportunidade de ver coisas novas, de descobrir o mundo. Eu não conhecia cultura e ali eu vi muitos espetáculos. Era um outro mundo”, conta, emocionada. 

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Antonilia Marra diz que encontrou em Brasília a chance de viver o mundo em plenitude: cultura, arte e novas oportunidades

Cerca de 42 anos depois, Antonilia ainda se lembra do dia em que a vida dela foi marcada naquele Teatro. Ela assistiu ao espetáculo A Chorus Line, no qual Claudia Raia protagonizava uma história de superação de um grupo de artistas que corriam atrás do sonho de estrelar na Broadway.  

“Era um musical, uma versão de um espetáculo americano. Foi muito bonito e uma mensagem muito forte. Me marcou demais”, lembra Antonilia. O espetáculo também marcou a carreira da atriz Claudia Raia: aos 16 anos, ela estreou nos palcos com a obra, que marcou o começo de uma nova era dos musicais brasileiros. 

Além de Cláudia, Antonilia assistiu a Chico Anísio e outros grandes atores da época. Ela lembra que o teatro também era palco de diversas exposições, até mesmo de plantas. 

“A cada seis meses, no saguão, tinha uma enorme feira que ficava lá. Era uma oportunidade de conhecer mais coisas e por isso eu gostava muito”, lembra. Apesar do fechamento do Teatro, Antonilia afirma que “Brasília ainda é o melhor lugar para morar, trabalhar, estudar, viver e constituir família”.

“A energia de Brasília não tem igual. Eu já fui para vários estados do Brasil, observo as pessoas e as cidades e é muito diferente. Aqui, as pessoas cuidam de onde moram, são conscientes e têm um bom convívio”, finaliza.  

Dos dias de pesca no Paranoá para os de carona até o heavy metal

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A Concha Acústica, palcos de grandes shows, foi também uma casa aberta para os movimentos de heavy metal

“Eu tive a infância e a adolescência mais felizes do mundo”, declara, empolgada, Rosane Galvão. Hoje com 51 anos, a brasiliense diz ter certeza de que em nenhum outro lugar, a não ser em Brasília, ela teria a oportunidade de viver tão bem. 

Criada no Lago Sul, Rosane e a família moravam na QI 19. “A rua era descalça, só tinha duas casas, não tinha nenhuma das pontes ainda e ali fizemos um lar. Meus pais eram perfeitos, eles nos ensinaram a viver”, lembra a taquígrafa.

Com os quatro irmãos e os pais, a família fez do Lago Sul um mundo deles. Amavam ir até o Lago Paranoá pescar, aproveitavam a água da chuva para curtir uma “piscina” e inauguraram o primeiro clubinho de futebol do local. “Papai gramou um lote do lado de casa, chamou os moradores do Lago e fez até carteirinha. Era muito divertido”, lembra Rosane. 

Na adolescência e no início da juventude, a brasiliense passou a explorar a cidade do outro lado do Lago. “A gente não conseguia ficar em casa. Queríamos sair, sempre. Viver o encontro, o presencial, o olho no olho. Viver”, declara. Nem mesmo a falta de carro a atrapalhava. “Minha irmã e eu íamos para a pista, colocava o dedo pra fora e pegava carona para ir para o Plano. Tudo era carona para irmos aonde queríamos. O importante era ir para a rua”, lembra. 

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Rosane Galvão foi uma das fiéis brasilienses que viveram a juventude engajada em um movimento: ela era baixista em uma banda de heavy metal só de mulheres, a Flâmia

Assim como Rosane, outras centenas de jovens procuravam todos os cantos de Brasília para ocupar e deixar com a cara deles. Foi assim que nasceram os diversos movimentos musicais, principalmente o heavy metal, paixão de Rosane. 

Estudante da Escola de Música de Brasília por sete anos, ela foi convidada a tocar em uma banda só de mulheres em 1987, onde tocava baixo. “A Flâmia é, tenho quase certeza, a primeira banda de heavy metal só de mulheres do Brasil”, conta, orgulhosa.

De sobrelojas na Asa Norte até as cidades do Entorno, a banda divertiu outros amantes do estilo musical. “A gente reunia muita gente, nós vivemos tudo o que poderíamos viver. Desde rixas entre os punks, metaleiros e carecas, tentativas de sabotagem de uma banda que a gente era ‘inimiga’ até a apresentação na Concha Acústica”, lembra. 

Nos anos 2000, Rosane integrou a Rarabuchuebas, onde era a única mulher. Ela lembra que a banda tocou nos grandes festivais de rock da capital, como o Brasília  Fest Rock e o Gran Circo Lar, que não existe mais. 

A brasiliense guarda na memória e ainda hoje toca, ao lado das filhas, músicas de rock. Ela diz ter saudade da efervescência da capital e a prioridade que todos tinham em estar juntos. 

“Brasília tinha a ver com movimento e contato físico. A gente era solto na cidade, a gente vivia muito. As pessoas eram mais tolerantes. Hoje é inimaginável você fazer uma banda para tocar em uma sobreloja, ninguém ia aceitar ouvir. Antes, as pessoas eram mais tolerantes e tinham respeito pela energia e vitalidade da juventude. Eu lamento pelas minhas filhas, que não vão viver o que já vivi um dia”, lamenta. 

Vizinhas de loja contam como comércio estreitou laços de amizade

Arthur de Souza 

Alda Ramos (loira) e Josyrene Lucena
Alda Ramos (loira) e Josyrene Lucena | Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Quem disse que os comércios precisam ser, necessariamente, concorrentes entre si? Em Brasília, existem histórias de estabelecimentos vizinhos, em que os donos criaram uma parceria que vai muito além da relação de negócios. É o caso de Alda Ramos, 59 anos, dona da loja de roupas que leva o seu nome na 209/210 Norte, e a amiga Josyrene Lucena, 42, que possui um instituto de beleza na mesma galeria da quadra.

As duas são vizinhas de loja, mas a amizade começou a ser cultivada quando Alda ainda nem pensava em ter um comércio em Brasília. “Conheço Josyrene desde quando ela tinha um instituto de beleza próprio na 409 Norte, há cerca de 15 anos. Na época, eu trabalhava como funcionária pública — hoje sou aposentada — e era ela que arrumava o meu cabelo e as minhas unhas”, conta a empresária.

Josy, como é chamada carinhosamente pela amiga, lembra que o relacionamento teve que ser interrompido por um tempo, no período em que precisou fechar o salão. “Nos encontramos de novo quando eu passei a trabalhar em um instituto de beleza da 209/210, em 2017. Cerca de seis meses depois, decidimos abrir nossas lojas, quase que ao mesmo tempo, quando a galeria ainda não tinha um viés tão comercial. A gente costuma dizer que incentivamos outros negócios a também se estabelecerem aqui”, comenta a dona do empreendimento de beleza.

Ponto de partida

Alda aponta que, a partir desse momento, o laço de amizade entre as comerciantes se estreitou ainda mais. “Passamos pela pandemia da covid-19 com os muitos problemas e dificuldades que ela trouxe para o país. Nos fortalecemos fazendo parcerias de venda, apresentação de nossos produtos e serviços. Porém, a maior delas: indicando clientes uma para a outra”, detalha. “Ela também atende a família em casa e, com isso, acabou ganhando o pessoal lá de casa como cliente, assim como eu também ganhei a família dela”, destaca Alda. Ela diz que isso foi determinante para que a amizade tomasse rumos para fora do ambiente de trabalho. “Não são poucas as vezes que nos encontramos após o expediente para uma boa prosa, preparar estratégias e atrair novos clientes, como também, falarmos de assuntos pessoais e familiares”, frisa.

No entanto, Josyrene brinca que, fora da galeria, a amizade das duas segue com planos frustrados e que ainda não saíram do papel. “Combinamos várias viagens, mesmo que para lugares mais próximos do DF, mas nunca foram concretizadas. Se fosse contar todos os planos, acho que teríamos viajado o mundo todo”, ironiza. “Mas pretendemos concretizar algum desses planos em breve, com uma viagem de ‘mulherzinhas’, seja uma viagem de compras, ou mesmo ir para a praia — algo que gostamos muito”, assegura Josy.

Falando sobre programas sociais dentro do DF, as amigas afirmam que costumam sempre se encontrar. “A gente também sai para fazer algum happy hour. Mas, tanto eu quanto a Josy, trabalhamos muito e temos uma vida fora das lojas. Por isso, nossos encontros são, quase sempre, marcados em cima da hora”, confessa Alda. “Além disso, a Alda começou a reunir nossas famílias, em época de Copa do Mundo, para assistir aos jogos e tem sido muito legal”, lembra a dona do salão, dizendo que estão se programando para fazer o mesmo este ano.

Gratidão

Ambas fizeram questão de destacar o que mais valorizam na amizade cultivada durante o tempo. Para Alda, a parceria entre elas é o que mais marca a relação. “O fato de termos nos ajudado durante a pandemia, quando eu tinha dificuldade até para pagar funcionários, por exemplo, é algo que vou lembrar para sempre”, aponta. “Eu sou muito grata a ela por tudo isso”, agradece Alda.

Enquanto isso, Josy comenta sobre uma característica que considera a principal na amiga. “Gosto muito da postura da Alda, ela é uma pessoa muito motivadora. Apesar de estar aposentada, continua batalhando na vida”, observa. “Ao meu ver, ela não precisaria estar aqui, tendo que administrar duas lojas e, mesmo assim, continua. É essa força que ela tem que me motiva todos os dias a seguir em busca dos meus objetivos”, conclui.

Vizinhos promovem ‘almoço em família’ para socializar no Lago Norte

Edis Henrique Peres

Vizinhos do Lago Norte se reúnem há mais de 15 anos para almoços mensais
Vizinhos do Lago Norte se reúnem há mais de 15 anos para almoços mensais | Foto: Arquivo Pessoal

O primeiro domingo de cada mês é uma data esperada com ansiedade pelos moradores da QL 5 do conjunto 7 do Lago Norte. Neste dia, os vizinhos se encontram em um passeio cultural por pratos típicos de diversos estados do Brasil, com direito a uma tarde de prosa e boas risadas. A tradição dos almoços da quadra duram mais de 15 anos e garantem o posto de “segunda família” entre os participantes. Gorete Reis, 68 anos e advogada, reside no local há 30 anos e conta como o almoço da vizinhança começou.

“Tínhamos a tradição de fazer uma festa junina, em junho, quando nos encontrávamos. Era tudo super organizado. Nessa época, havia uma vizinha que puxava uma quadrilha com os moradores. Era uma festa que nos unia muito. Mas acontecia apenas uma vez por ano. Daí, começou a ideia de fazermos um almoço. O Carmo (Gonçalves), que era muito alegre, se entusiasmou com a ideia, e até hoje, costuma ser o primeiro, todo ano, a dar o almoço na casa dele”, conta.

Carmo, 61 anos, engenheiro mecânico, detalha que cada vizinho leva para o almoço um prato diferente e uma bebida da sua preferência. “Os encontros mensais servem para a gente socializar, é uma integração da vizinhança. Tratamos de assuntos da rua, de melhorias e alertas e também do dia a dia, jogando conversa fora. Aos poucos a prática foi prosperando e todo mundo gostou da ideia. Só tivemos que parar nesse período, devido à pandemia e estamos esperando um pouco para retomar a tradição, mas em junho talvez voltemos com os encontros”, pontua.

Os vizinhos costumam chegar por volta de 12h e a conversa rende até as 17h. Gorete explica que o grupo tem um calendário para os almoços que serão realizados ao longo do ano. “O dono da casa sempre oferta um prato diferenciado e temos receitas famosas de cada vizinho, como a costela do Cesinha, que é o morador César, ele faz uma costela assada muito gostosa. Tem outra vizinha que é fazendeira e faz o doce de leite dos diabéticos de sobremesa. É realmente uma confraternização, que costumamos levar até os filhos. É um domingo maravilhoso, de muita piada. A gente se ama muito, aqui é uma vizinhança solidária”, destaca.

A advogada explica que a experiência também envolve um passeio cultural. “Temos vizinhos de diversas localidades. Tem uma que é do Maranhão, uma outra que é do Pará, que sempre leva o pirarucu de casaca; e muitos outros como outros são pernambucanos e pessoas do sul. Cada um traz um prato típico do seu estado. Há uma troca de costume muito grande, com relação aos pratos, as histórias de infância, os hábitos. Meu marido, por exemplo, é goiano e gosta muito de costela de porco frita na panela com mandioca cozida, e este é um prato que eu costumo fazer nos nossos almoços”, acrescenta.

Além da gastronomia

A amizade entre os vizinhos, contudo, se estende para além de almoços aos domingos. Gorete destaca que esses vínculos são levados para a vida privada dos moradores. “Às vezes o casal faz aniversário de casamento, uma missa em casa, e os vizinhos são convidados. No casamento do meu filho, por exemplo, fiz somente reunião simples, mas não deixei de convidar todos os meus vizinhos. Outro caso é que teve um filho de moradores daqui que se casou no interior do Goiás e boa parte da vizinhança foi ao casamento, se hospedou na cidade e participou da cerimônia. O vínculo é forte entre a gente, somos praticamente uma segunda família”, salienta.

Nos momentos de tristeza os vizinhos também são um suporte uns para os outros. “Quando alguém está doente, ou quando precisa de ajuda, todo mundo se mobiliza. Não é apenas em situação de festa que estamos juntos. Há casos de vizinhos que se internaram e nós fomos ajudar para que ele fosse transferido para outro hospital. É uma solidariedade entre todos. Quando alguém coloca no nosso grupo que está doente, o outro já fala que tem alguma planta para chá que pode ajudar, todo mundo é preocupado com o outro”, afirma.

Não somente para os vizinhos que já estão consolidados na quadra, mas quem chegou recentemente também tem espaço para entrar no grupo e fazer parte dos almoços. Dayse Corrêa, 64 anos e aposentada, conta que quando chegou à CL 5 o evento já acontecia. “Logo que chegamos fomos convidados a participar e desde então nunca ficamos afastados. Em toda grande comemoração também nos reunimos, como aniversário e outras festas. A vizinhança aqui é muito solícita, ela manifesta as boas vindas, e todo mundo fica esperando a data do almoço”, revela.

Para Dayse, receber o convite dos vizinhos para participar da tradição da quadra foi emocionante. “O mais comum é termos um contato muito restrito com os vizinhos, mas aqui temos todo esse acolhimento amoroso. E não é por interesse, ninguém quer saber a sua profissão, o seu rótulo, é apenas uma amizade pessoal”, comenta.

A avaliação é a mesma de Maria Auta, 67 anos e aposentada. “Compartilhamos das dificuldades, das alegrias e dos problemas. O que acontece é que nesse processo dos almoços nos tornamos uma grande família. Quando precisamos de alguma coisa, as pessoas já se colocam à disposição. Partilhamos o que temos em casa, como frutas, por exemplo. O vizinho que tem manga saí dando para todo mundo, a mesma coisa com abacate, limão e ervas para chá. É uma interação e uma tranquilidade que não e ver em nenhum outro lugar”, finaliza.

Restaurante do Lago Sul recebe o mesmo freguês, todos os dias, há 20 anos

Liana Sabo

Rosário e Oswaldo Rocha: uma amizade de longa data temperada com bons papos
Rosário e Oswaldo Rocha: uma amizade de longa data temperada com bons papos | Foto: Arquivo Pessoal

“Na Itália é comum, todo o restaurante que se preze tem um personagem especial. São figuras populares na cidade, que por algum motivo se tornaram frequentes ali, a ponto de irem quase todos os dias para se beneficiar de regalias concedidas pelo proprietário”. Assim o chef-restaurateur Rosario Tessier resume a presença diária do fotógrafo Oswaldo Rocha na Trattoria Da Rosario, que completa hoje 20 anos.

Desde que ela foi fundada na QI 17 do Lago Sul, no Edifício Fashion Park, Oswaldinho — como é chamado o querido pioneiro da cidade —,

comparece invariavelmente todos os dias, até mesmo aos domingos quando o restaurante fecha mais cedo. “Ele dorme até o meio-dia e só chega aqui depois das duas da tarde”, entrega Rosario, que, generosamente, manda servir o que o amigo quer comer. Os dois têm mesmo uma relação de vizinhos, pois moram no Lago Sul, próximo do estabelecimento, eleito o melhor restaurante de Brasília no ranking da revista Encontro Gastrô 2021. Nessa ocasião, e em outras situações especiais, Oswaldinho acorre com a sua câmera para registrar os feitos do amigo.

Foi assim também na visita, em novembro passado, do barão Philippe Rotschild, que veio à capital e levou os vinhos produzidos por ele para acompanhar o cabrito à caçadora, servido com polenta finalizado com pasta de trufas negras e pecorino romano. Repórter-fotográfico é a última função de Oswaldinho, que ao longo de 84 anos incompletos, teve várias. Todo o grand monde de Brasília guarda em casa imagens em papel feitas por ele. Depois de mandar revelar as fotografias no laboratório da 202 Sul, que fica ao lado do extinto Piantella (ponto preferido no passado), o profissional arquiva o produto de seu trabalho numa enorme caixa acomodada no porta-malas do carro, um Corolla ano 2019, comprado de um amigo. Antes, teve um Fiat tempra 1995, que “muitas vezes precisava ser empurrado para pegar”, lembra Rosario, que adora o folclore em torno do cliente free.

Uma das histórias que mais diverte o dono da casa se deu durante o habitual giro pelo restaurante quando Oswaldinho reconheceu um importante empresário que havia clicado, algum tempo atrás, jantando com a mulher. Não teve dúvida, foi até o carro vasculhou a caixa até encontrar a prova que ofereceu exultante ao fotografado, como lembrança. Só que a acompanhante nesse dia já era outra. A foto acabou estragando o jantar, o empresário ficou furioso e foi preciso o chef acalmar o poderoso cliente com “o deixa disso” para ele não discutir com Oswaldinho no salão.

Ernane Rocha, pai de Oswaldinho, foi contemporâneo de Juscelino Kubitscheck e, como ele, teve a mesma profissão: telegrafista. Só que JK por pouco tempo, até se formar em medicina. A família Rocha se instalou aqui uma semana antes da inauguração da nova capital, onde Ernane se tornou o primeiro superintendente dos Correios e Telégrafos. Logo em seguida, JK o nomeou chefe postal do Palácio do Planalto, na época em que as comunicações restringiam aos teletipos, código Morse e telefone de manivela.

O jovem Oswaldinho também foi empregado na empresa estatal, primeiro no Rio de Janeiro, na sede da Praça Quinze, onde passava mensagens e “muitas vezes eu colava as fitinhas de papel nos telegramas”, lembra o ágil e elegante octogenário mineiro, que tem corpinho de sessenta.

Ele não exagera nem na comida nem na bebida. Uma taça de vinho basta para acompanhar o prato de pasta do ex-editor de revistas de moda, turismo e social, que pretende relançar ainda no primeiro semestre o Mundo Vip, suspensa em 2016, que chegou a ter 82 páginas numa edição especial.

Moradores do Sudoeste criam feira para interagir com vizinhos ao ar livre

Arthur de Souza 

Luciene Lontra com a irmã Cristiane: feira entre vizinhos da 101 do Sudoeste oferece uma variedade de produtos e contatos com pessoas da região
Luciene Lontra com a irmã Cristiane: feira entre vizinhos da 101 do Sudoeste oferece uma variedade de produtos e contatos com pessoas da região | Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Com a pandemia do novo coronavírus, a população precisou se confinar, vivendo a maior parte do dia dentro de casa, sem se relacionar com outras pessoas que não sejam do convívio diário. No entanto, os meses foram passando e a situação melhorou, favorecendo a elaboração de projetos que propõem uma interação maior entre os vizinhos. Foi o que pensou Maira Coelho, 54 anos, prefeita da Quadra 101, no Sudoeste. Ela, junto a outros moradores, criou a Feira da Quadra SQSW 101. “Nós começamos esse evento em outubro do ano passado, com a ideia de promover o melhor relacionamento entre os moradores”, explica.

Segundo a prefeita de quadra, a peculiaridade de Brasília, por ser uma capital, faz com que as pessoas se conheçam muito pouco. “Todos têm uma vida muito atribulada, saem cedo e voltam tarde, então não é muito difícil ter essa interação entre as pessoas. Muitos, inclusive, vêm para cá com tempo determinado para ocupar um cargo e acabam não estreitando relacionamento com seus vizinhos”, aponta Maira. Desta forma, ela começou a identificar alguns moradores que seriam potenciais empreendedores. “Pessoas que fazem salgados, doces ou até mesmo artesanato e que vendiam para o comércio ou para outros pontos de venda”, comenta. “E aí tivemos a ideia de começar uma feira com os moradores da quadra, que é uma oportunidade de eles venderem, divulgarem seus produtos, além de se conhecerem”, diz a idealizadora.

Maira ressalta que o fato de as pessoas ficarem confinadas, por conta da pandemia, também foi um ponto de partida para o projeto. “Algumas pessoas que estavam somente em casa, muitas delas deprimidas, começaram a se programar para vir até a feira. Então, creio que a feira estimula e dá às pessoas a esperança, não só de vender, mas de expor o produto e conversar, ter uma dinâmica diferente na sua vida”, esclarece.

Interação

Uma das expositoras da feira é a assistente social Tatyane de Camargo, 43. A moradora da quadra 101 vende seus cosméticos naturais, de aromaterapia e fitocosméticos desde a primeira edição e, para ela, a iniciativa ajudou — ainda mais — seu negócio. “Apesar de alguns moradores já conhecerem meu trabalho, muitos vizinhos, até mesmo do meu bloco, só passaram a conhecer os produtos depois da criação da feirinha”, frisa. “Tem sido bastante rica essa troca com os vizinhos e colegas. Muitos já compravam meus produtos antes mesmo da feira, mas agora nós passamos a marcar as entregas para os dias em que ela ocorre. Além disso, a exposição aqui aumentou a minha renda com as vendas dos cosméticos e o meu rol de conhecidos e de clientes”, esclarece.

Outra moradora da quadra que também participa da feira é Luciene Lontra, 60. Junto a sua irmã, ela vende vários tipos de alimentos congelados e, assim como Tatyane, acha que a ideia de criar o evento foi muito boa para o relacionamento entre os vizinhos. “Muita gente que expõe e/ou frequenta aqui, eu não conhecia antes e passei a interagir por causa da iniciativa”, afirma. “Os vizinhos estão dando muito apoio. Além disso, as crianças amam quando acontece a feira. Então, penso que a criação da feira não tem nem nota para dar”, brinca Luciene.

A moradora do bloco H diz que também vendia os produtos antes da feira, mas concorda que a utilização do espaço deixa tudo melhor. “Aqui é mais aconchegante tanto para nós, vendedores, quanto para quem frequenta, porque dá a possibilidade de conversar, podemos fazer tudo sem ter pressa”, observa. Além do lado comercial, Luciene diz que, particularmente, o evento também colabora na questão social. “Não conhecia, praticamente, nenhum vizinho. Com a feira, a gente conhece várias histórias, seja dos expositores ou de quem mora aqui e passei a interagir muito mais com os vizinhos, criando um laço melhor. É muito agradável”, confirma. “Eu mesma não sabia que a Tatyane vendia os cosméticos, apenas com a feira tive conhecimento disso. Descobri que somos vizinhas na quadra e na feira”, comenta.

A feira, além de bons negócios, é uma oportunidade para que o moradores da quadra possam se conhecer e trocar afinidades
A feira, além de bons negócios, é uma oportunidade para que o moradores da quadra possam se conhecer e trocar afinidades | Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Dever cumprido

Maira comemora que o objetivo principal da Feira da Quadra SQSW 101 tenha sido atingido em tão pouco tempo. “Nas duas quartas-feiras do mês que a gente promove o evento, por conta das atrações diversificadas, percebemos um aumento na interação, participação e opinião do público — sugerindo às vezes um novo expositor, horário ou músico para tocar na feira”, afirma. Imaculada Mantovani, 77, reside na quadra desde que ela foi construída, em 1999, e concorda que a feira ajudou bastante na questão da convivência. “Eu moro sozinha, então, isso é bom, pois acabo encontrando e criando uma relação com pessoas que moram próximas a mim, e eu nem imaginava. Todos os moradores ficaram felizes com essa iniciativa”, afirma. Para ela, com o passar das edições, a feira deve aproximar ainda mais a vizinhança, criando laços mais estreitos entre os moradores.

Algo que é percebido por Tatyane. Ela conta que o evento fortaleceu suas amizades. “(A feira) fez com que eu reencontrasse algumas colegas que não via mais, porque as crianças vão crescendo e não brincam tanto nos parquinhos”, lembra. “Então, ter esse momento a cada 15 dias, é muito importante para que a gente possa voltar com as amizades”, conclui a assistente social.

Vizinhos contam como fizeram amizade por intermédio dos animais de estimação

Arthur de Souza 

Luis Alberto e Gabrielle Cunha e suas cachorras: os animais aproximaram os tutores, que hoje são grande amigos, mesmo morando em áreas diferentes
Luis Alberto e Gabrielle Cunha e suas cachorras: os animais aproximaram os tutores, que hoje são grande amigos, mesmo morando em áreas diferentes | Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press

A servidora pública Gabrielle Cunha, 29 anos, e o empresário Luis Alberto Cueto, 65, criaram uma amizade a partir de um ponto em comum, o amor pelos pets. Eles eram vizinhos quando a história teve início e, mesmo depois que Gabrielle teve que se mudar, mantiveram o contato entre eles e também entre os animais.

“Os pets têm esse dom de unir as pessoas”, ressalta Gabrielle Cunha, dona da Filha, 3, uma cachorrinha da raça Lhasa Apso. Foi graças à sua pet que ela conheceu Luis Alberto. O empresário é dono da cadela Chanel, da mesma raça, 2, e mora no Sudoeste junto a sua cadelinha. Segundo a servidora pública, o primeiro contato entre os animais aconteceu pouco tempo depois que ela se mudou para o prédio onde Luis e Chanel moram. Certo dia, coincidiu de ambos levarem as cachorrinhas para passear no mesmo horário. “Chanel e Filha começaram a brincar e pular uma em cima da outra”, lembra Gabrielle.

“O Luis, que sempre foi muito gentil, falou que se eu quisesse deixar elas juntas, para que não ficassem sozinhas, poderia contar com ele a qualquer hora”, conta a servidora. E os “serviços” acabaram sendo necessários, pela primeira vez, alguns meses depois do primeiro contato entre Chanel e Filha. “No ano passado, depois que o período mais intenso da pandemia tinha passado, marquei uma viagem de 20 dias para visitar minha família, no Rio de Janeiro. Tinha combinado com outra pessoa de ficar com a Filha, só que ela, na última hora, não podia e acabei ficando sem saber o que fazer”, recorda.

Gabrielle diz que chegou a considerar colocar seu animal de estimação em um hotel, mas teve receio. Foi quando ela lembrou do que Luis havia dito no primeiro encontro entre as pets. “Perguntei se ele poderia cuidar dela durante a viagem. Ele aceitou prontamente e foi um sucesso. A Filha ficou muito bem na casa dele”, destaca. “Quando voltei, ela estava tão apegada e feliz com o Luis, que quase esqueceu a própria tutora”, brinca a servidora.

Desde então, os dois sempre trocaram favores do tipo, de acordo com Luis Alberto. “Quando a mãe (Gabrielle) dela viaja, cuido da Filha e dou o mesmo amor que a Chanel recebe”, diz com satisfação. A servidora pública dá mais detalhes: “E não é só em viagens. Em qualquer situação que precisamos nos ausentar durante um período mais prolongado, para que elas não fiquem sozinhas, nós deixamos uma na casa da outra. Várias vezes eu precisei sair e o Luis ficou com as duas, ou o contrário”, acrescenta. E o dono da Chanel não mede palavras ao comentar sobre as estadias da Filha em sua casa. “Para mim, é um privilégio quando preciso cuidar dela, não importa o tempo. Se for preciso ficar um ano com a Filha, vou amar”, destaca.

As cadelinhas ficam sempre juntas. Na imagem, elas estão no antigo apartamento de Gabrielle, quando ela ainda morava no Sudoeste
As cadelinhas ficam sempre juntas | Foto: Arquivo Pessoal

Opostos que se atraem

Luis conta que, quando estão juntas, Chanel e Filha sempre se divertem. No entanto, ele brinca, dizendo achar estranho como acabaram criando laços tão fortes. “Elas ficam muito bem adaptadas uma na casa da outra, e isso é bastante peculiar porque, apesar de a Chanel ser sociável, a Filha é mais retraída”, diz o empresário. Gabrielle comemora que essa aproximação tenha dado certo. “Dá para dizer que essa amizade foi boa para a sociabilidade da Filha, que passou a aceitar melhor o contato das pessoas”, afirma.

Os dois reforçam que, apesar de ainda não possuírem um relacionamento longo, as cadelinhas já têm histórias interessantes. “Sempre que uma vai até a casa da outra, já sabe o caminho certo”, aponta Luis. “Quando venho aqui com a Filha, ela nem pensa em ir para o apartamento antigo em que eu morava, vai direto para a casa do Luis”, detalha Gabrielle, que também conta outra situação engraçada. “Certa vez, quando ainda morava no Sudoeste, estava passeando com as duas em um local onde as pessoas costumam ir para jogar tênis. A Chanel invadiu a quadra e roubou as bolinhas. Pedi desculpas e justifiquei, afirmando que ela só queria brincar”, acrescenta.

Amizade expandida

Os vizinhos contam que, de forma inevitável, a aproximação entre Chanel e Filha fez com que eles também criassem uma amizade. “Eu e Gabrielle nos aproximamos da mesma forma que elas, espontaneamente. Desenvolvemos um relacionamento tão bom, que chega a parecer que somos da mesma família”, considera o empresário. “A gente sai juntos em passeios no parque, com as cadelinhas. Também almoçamos ou jantamos juntos. Nossa amizade é tão forte quanto a que elas têm”, afirma Luis.

A conexão se tornou tão forte que, mesmo depois de Gabrielle se mudar — do Sudoeste para a Asa Sul —, os agora “ex-vizinhos” mantiveram o contato entre os pets. “Me mudei do prédio há cerca de um mês. Mesmo assim, combinamos de manter o contato entre Chanel e Filha — para que elas possam brincar — assim como entre a gente. Então, a amizade está sendo mantida, apesar da distância”, conclui a servidora pública.

Bolo, café e muita prosa! As famílias que Brasília uniu nos anos 1970

Arthur de Souza

Bolo, café e muita prosa!
O encontro: uma boa conversa toda semana | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Vizinhos desde 1974, as famílias de João Pedro, 91, e Helena Corte Real, 79, se consideram como uma. Nos quase 50 anos de amizade, eles dividem muitas histórias e uma tradição que foi estabelecida há cerca de nove anos, “a tarde do bolo”.

“Estamos sempre levando essa vida boa”. É assim que o militar aposentado João Pedro descreve a história da amizade que possui com a família de Helena Corte. Os dois são os atuais “comandantes” de uma família alegre e brincalhona, que abriu as portas para o Correio e contou um pouco das aventuras vividas durante os 48 anos de relação entre os moradores do Bloco A, na 313 Sul. “Conheci a dona Helena e o José Reis, seu marido, quando eu e minha família recebemos este apartamento. Foi um dia muito alegre, e essa felicidade correu durante todo o período de convivência. Nunca tivemos uma pequena desavença”, afirma João.

Helena relembra que, antes de o marido falecer, ele ia até a casa de Pedro todos os dias, sempre nos fins de tarde, para tomar café. “Isso era religioso. Na época, era apenas o café e muito papo”, brinca. Ela diz que cerca de dois anos depois da morte de José Reis, em 2013, encontrou com João no elevador do prédio. “Ele perguntou se eu queria comer um bolo na casa dele. Lembro-me que era uma quinta-feira e foi daí que criamos a tradição de fazer a tarde do bolo todas as quintas”, afirma Helena. “E é só o bolo. Não tem enfeite, nem cobertura. A única coisa que varia é o sabor. Às vezes, sai um de cenoura, outras de banana”, reforça João. Entre risos, ele relata situações que já viveu com a amiga por conta da reunião semanal. “De vez em quando, a minha empregada muda o jeito de fazer, daí ele murcha, e eu digo para a Helena: ‘Hoje não deu muito certo’. Não tem bolo, mas tem prosa”, ironiza.

Bolo, café e muita prosa!
Juntos na procissão do Fogaréu, em Goiás Velho | Foto: Arquivo pessoal

Muita história para contar

Filha do “seu” João, Raquel Villela, 58, destaca que, além da relação entre os dois, sua mãe (Joana) e Helena tinham uma amizade maravilhosa, sendo amigas inseparáveis. Algo que é confirmado pela aposentada de 79 anos. “A Joana era uma companheirona. Fizemos o enxoval dos netos juntas. No começo, ela não era tão esperta para o tricô. Mas, certo dia, ela me viu fazendo e quis aprender, aí ensinei para a Joana, que acabou ficando craque”, aponta Helena, que também conta um pouco das viagens que os casais costumavam fazer juntos. “Uma vez, fizemos uma espécie de excursão. Fomos para Ouro Preto, Mariana, Serro, Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras. Em outra viagem, nós fomos para Goiás Velho, no período em que acontece a Procissão do Fogaréu. Lá, fizemos até fotos segurando a tocha”, lembra.

O encontro: uma boa conversa toda semana.
Amizade sincera: Helena Corte Real, o amigo João Pedro e os filhos Raquel Villela, José Augusto e João Paulo | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Para Helena, os momentos mais marcantes e engraçados desta última viagem foi o momento em que decidiram fazer a viagem. “Meu marido resolveu, da noite para o dia, ir para lá (Goiás Velho). Falou com o João e ele topou. Quando chegamos lá, não estávamos conseguindo encontrar hotel. Depois de muita procura, conseguimos encontrar um quarto, onde dormiu nós quatro. Foi uma confusão só”, detalha aos risos.

A família também lembra das personalidades nada parecidas de João Pedro e José Reis. Raquel comenta que, pelo fato de o pai ser militar, ela e os irmãos tiveram uma criação mais rígida. “Na época de escola, se a aula começava às 7h30, meu pai saía comigo, meus irmãos e os filhos da Helena bem cedo, chegando na porta do colégio às 7h10”, destaca. “Enquanto isso, ‘Zezinho’ — que era contador — tinha uma personalidade oposta. Totalmente tranquilo, parava para conversar com todo mundo e, como era ele que nos buscava na saída, éramos os últimos a sair da escola. No caminho para casa, ainda parava com a gente para tomar um caldo de cana”, recorda.

Helena confessa que, até hoje, não entende como os dois se davam bem. “Acho que dá para dizer que, também na amizade, os opostos se atraem”, brinca. “Até a minha relação com a Joana era assim. Uma filha da Raquel disse, certa vez, que os casamentos estavam errados, e que na verdade, deveria ser eu com o João e a Joana com o meu marido”, conta às risadas.

Bolo, café e muita prosa!
As duas famílias sempre compartilharam a amizade | Foto: Arquivo pessoal

Criançada travessa

Entre os assuntos da conversa, Helena e João lembram dos momentos em que seus filhos foram personagens principais da longa história entre as famílias. “O Paulo (João Paulo), filho da Joana, ia para a minha casa quando era criança e ficava assistindo televisão comigo, na cama. Quando a Joana chegava lá, falava: ‘Não é possível, esse menino aqui!’. Mas não tinha jeito”, destaca. José Augusto Corte Real, 47, é filho de Helena e lembra que também costumava aparecer quase todos os dias na casa de João. “Eu era muito pequeno ainda e não alcançava o botão do quinto andar no elevador. Aí eu parava aqui e pedia para o ‘seu’ João apertar para mim”, conta o servidor público internacional.

Helena encerra comentando os apelidos de alguns dos filhos das famílias. “O José Augusto era o ‘Mexirica’, porque ele competia de bicicross com uma roupa toda laranja. Já o João Paulo, era o ‘Bichado’, pois tudo para ele estava bichado. O tênis estava bichado, a bicicleta estava bichada, etc.”, finaliza a aposentada.

Na época do Natal, as crianças sempre se reuniam
Na época do Natal, as crianças sempre se reuniam | Foto: Arquivo pessoal

Confraria Noroeste leva afeto a quem se sente sozinho na pandemia

Renata Nagashima

Vizinhos do Noroeste
Luana Batista com o cão João e Paula Navarro ( loira ). As mulheres fazem parte de um grupo que tem o objetivo de aproximar os vizinhos do Noroeste. | Carlos Vieira/CB/D.A. Press

Durante a quarentena, a internet e as redes sociais trouxeram muitos benefícios para uma grande parte da população. Enquanto surgiam possibilidades para o trabalho, de forma remota, as aulas on-line, de adotar novas estratégias de comércio, manter relacionamentos afetivos e até desfrutar do lazer e da cultura foi um desafio. Smartphones e computadores intermediaram um maior contato entre as pessoas durante a pandemia e isso se potencializou para que certas rotinas fossem mantidas.

Nesse período, a tecnologia tem sido fundamental, não só para passar o tempo navegando em redes sociais e em streaming, mas também — e principalmente — para dar continuidade às interações humanas. Grupos de mensagem instantânea uniram, ainda mais, amigos e desconhecidos para minimizar o isolamento.

O grupo Confraria Noroeste veio para trazer afeto para aqueles que se sentiam sozinhos no Noroeste durante a pandemia. A Confraria acabou se tornando um local para fortalecimentos dos laços de amizades e uma rede de apoio entre os vizinhos.

Uma das responsáveis pela criação e administração do grupo é a economista Ana Luiza Champloni, 35 anos. Ela conta que o espaço funciona como uma rede de apoio. “Durante a pandemia, as pessoas estavam muito sozinhas, então o grupo foi um escape. Muitas amizades se formaram e é maravilhoso ver esse laço e bom convívio entre os vizinhos, que vai além de reclamações ou ‘bom dia’ e ‘boa tarde’, quando se esbarram em algum lugar”, afirma.

Ana Paula se mudou para o Noroeste. em 2015, e entrou em um grupo chamado “Girafonas”, onde conheceu as primeiras amigas do bairro. “O grupo foi crescendo e era muito legal, porque acabamos nos aproximando, fazíamos encontros e piqueniques juntas”, recorda. No entanto, com a pandemia, as conversas paralelas aumentaram e Ana Paula teve a ideia de criar um novo grupo apenas para conversas e trocas de vivências. Assim nasceu a Confraria.

“A gente troca muita ideia, indicação e tem muita ajuda. Esse é um canal importante para as pessoas se comunicarem, ainda mais durante um período em que ficavam muito sozinhas em casa”, explica. Por causa da quarentena, muitas mulheres se ofereciam para fazer compras para as pessoas que corriam mais riscos ao saírem de casa. “Amizades surgiram e contribuiu para fortalecer os laços entre as moradoras. Certa vez, uma moça fez aniversário e estava sozinha em casa, mas, mesmo a distância, conseguimos fazê-la se sentir amada. E é a razão de tudo isso”, acrescenta a economista.

Durante as datas comemorativas, as mulheres do grupo organizaram festas de Páscoa e junina on-line, com tudo que se tem direito. Em junho, um trio elétrico com música caipira e quadrilha de dança desfilou entre os prédios do Noroeste. “Foi uma ideia sensacional e ajudou para que, aos poucos, a gente fosse sentindo que as coisas estavam voltando ao normal”, completa.

Portuguesa, Paula Navarro, 50, mora no Noroeste desde 2014 e ela conta que o grupo ajudou bastante a aproximar as pessoas. “O grupo da confraria é basicamente de conversa e ajuda. É interessante a amizade entre elas, porque o que precisar, elas ajudam e você consegue nesse grupo. Fomos criando amizade e nos engajando para ajudar o próximo também”, detalha a empresária.

Ela destaca que iniciativas como essa no bairro resgata o tempo antigo de Brasília, em que as pessoas viviam em comunidade, na porta das casas e nos pilotis dos blocos. “As pessoas de fato convivem entre os vizinhos, as crianças brincam umas com as outras, o pessoal marca eventos e piqueniques, hoje em dia isso é raro”, diz Paula.

Busca

A servidora pública Luana Vieira Batista, 37, hoje é muito grata por essa rede de apoio que encontrou nos vizinhos. João, seu cachorro de estimação fugiu e, graças ao empenho e ajuda que recebeu dos moradores, ele foi encontrado seis dias depois. “Eu tenho certeza que se não fosse essa ajuda, nunca teria encontrado o João”, conta.

Em março ela estava passeando com o animalzinho quando, assustado por causa de outros cachorros, ele fugiu e desapareceu. “Foi desesperador”, recorda Luana. Após o episódio, ela começou a divulgar a foto no Instagram e no grupo do condomínio onde mora. “Os meus vizinhos começaram a mandar para outros grupos do Noroeste e começou uma corrente enorme”, conta. Os moradores do bairro se organizaram para ajudar a servidora pública a encontrar João.

“Eu fiquei chocada com toda essa rede de apoio. Nunca tinha feito parte de grupos de vizinhos e fiquei surpresa e muito comovida com a união e a rede de apoio que os vizinhos formaram. Aqui o pessoal tem esse diferencial, as pessoas procuram se unir e se ajudar”, diz Luana. Agora, os vizinhos querem combinar um piquenique para conhecer o João, que ficou conhecido.

Moradores reativam a Horta Comunitária da 114 Sul

Renata Nagashima

"A gente cria amizades"
Giovanna Bitencourt: relação com a comunidade enriquece a todos | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

“O interesse começa na gente”, foi com esse pensamento que a psicóloga Giovanna Bittencourt de Castro, 29 anos, se motivou em resgatar os laços de amizade e colaboração entre os vizinhos para reativar a Horta Comunitária SQS 114 Sul. “Se a gente não começar, como cobrar dos outros? E com a horta não é diferente. É por meio da nossa motivação inicial que vamos incentivar outras pessoas a terem esse cuidado com o lugar”, acrescenta a jovem.

Moradora do Bloco H em 2018, Giovanna teve a iniciativa de criar um grupo de convivência com os vizinhos da quadra. Para Giovanna, essa relação com a comunidade a enriquece e ela também pode contribuir com as outras pessoas. “A gente cria amizades e um suporte entre os vizinhos”, afirma. Um exemplo, é uma amizade que fez com uma idosa que mora sozinha. “Ela tem um cachorro e eu ia lá às vezes, descia com ele para o Eixão. Eu estava com ela pela companhia e hoje é uma pessoa que é minha amiga”, conta.

Por mais laços como esse, Giovanna não pensou duas vezes em reativar a horta da quadra. “Quando eu soube que um dia tiveram esse espaço, fui atrás de quem também tinha o mesmo interesse que eu”, relata. Assim, a psicóloga conheceu Suzana Ramos Silveira da Rosa, 61. Moradora do Bloco B, ela é uma das vizinhas que participou do processo de implementação da horta.

Em 2013, por meio da iniciativa de duas moradoras do Bloco B, nascia a horta em um pequeno cercado atrás do Jardim de Infância 114 Sul. A intenção inicial era trabalhar com uma horta educativa junto com a escola, mas a parceria não vingou e os moradores da quadra cuidaram do espaço sozinhos. “Fazíamos mutirões, então quem não ajudava durante a semana, vinha no sábado ou domingo, no final das contas todo mundo participava de alguma coisa”, recorda Suzana.

"A gente cria amizades"
Giovanna (E) e Suzana Ramos: a intenção inicial era fazer uma horta educativa | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Canteiros

No entanto, em 2018, com a crise hídrica, os moradores decidiram desativar o espaço. “Não era justo com as pessoas de outras regiões administrativas, que passavam por aqui. Elas não tinham água nem para tomar banho e aqui estávamos regando as plantas”, explica a enfermeira. Na época eram 14 canteiros, área de compostagem e um minhocário. Hoje, o espaço conta com apenas seis canteiros.

Hoje, o objetivo, além de reativar o espaço plenamente, é resgatar o espírito de comunidade entre os vizinhos da SQS 114. “Antes da pandemia a gente se reunia para tudo, organizávamos lanches, aula de tai chi chuan, tínhamos uma convivência boa. É uma coisa que sentimos falta e queremos retomar. Aos poucos vamos conseguindo acender o interesse na comunidade”, acrescenta Suzana.

"A gente cria amizades"
Horta comunitária na 114 sul. Giovanna Bitencourt (cam vermelha) e Suzana Ramos | Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Relações

Giovanna concorda com a vizinha e compara a atual aparência da horta com a relação dos vizinhos. “Hoje, vemos uma horta não tão bonita, um pouco seca. Ela não está exuberante, mas eu acho que isso reflete como estão as nossas relações como comunidade. Representa muito da escassez das relações da nossa comunidade. E isso tudo aqui é sobre relações e pensando no próximo”, explica a psicóloga.

Para a jovem, a pandemia ensinou a pensar mais no que é possível fazer para contribuir com o próximo. “Eu venho aqui, cuido e planto não só para o meu benefício, mas para o outro também. Tem gente que vem aqui só para colher. E é um trabalho de via dupla, porque eu confesso que gosto de plantar, mas não lembro de colher e sempre tem alguém que colhe. Mesmo que essa pessoa não esteja ajudando ativamente, eu vou ficar feliz porque alguém está colhendo e se beneficiando disso”, completa.

"A gente cria amizades"
Foto: Minervino Júnior/CB/D.A. Press

Quiosque do Beto, um refúgio para os bate-papos dos Melhores do Mundo

Pedro Almeida*

Adriana Nunes e Roberto de Freitas
Adriana Nunes e Roberto de Freitas | Foto: Arquivo pessoal

O cheiro que exala da chapa ou o aroma de um bolo caseiro recém-saído do forno são suficientes para atiçar o olfato dos moradores à volta. No caso de Adriana Nunes, comediante do grupo Melhores do Mundo, o perfume da cozinha trouxe o vizinho, como em um desenho animado, à porta de casa. O que ela não sabia é que, ao abrir, encontraria Roberto Carlos Varejão de Freitas, o Beto, um velho amigo.

Beto não é, tecnicamente, brasiliense, mas se considera um, afinal chegou de Recife com apenas 1 ano de idade. Falar sobre boa vizinhança parece abrir uma fenda de nostalgia na memória dele. Morador da Asa Sul, ele rememora um tempo em que as boas relações entre os moradores eram a lei. As portas dos apartamentos estavam sempre abertas, literal e figurativamente. Os gramados eram tomados pelas amizades que não cabiam apenas no pilotis.

Ter crescido neste clima amistoso o moldou de forma que sua atual residência já foi confundida por transeuntes com uma casa de festas. Basta qualquer desculpa surgir para que ele abra a garagem, disponha as mesas no gramado e ponha música para tocar. Quando não está com uma festa planejada, Beto comanda um quiosque de lanches na 215 Sul. Desde 1986 no ponto, ele comenta que recebe filhos adultos dos originais frequentadores do espaço. Nos 36 anos de comércio e com um sem-número de clientes assíduos, uma trupe de comédia que batia ponto por ali acabaria por se destacar na cidade.

Em 1995, por acaso, em 21 de abril daquele ano, a companhia de comédia Melhores do Mundo foi oficialmente criada. No sexteto original, que segue junto até hoje, havia Adriana Nunes. Formada pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, a atriz já passou por uma gama de trabalhos até se encontrar na comédia. Com o grupo, por fim, se estabeleceria como uma das grandes comediantes de Brasília e ganharia visibilidade nacional. Peças como Jingle béus, Notícias populares, Hermanoteu na terra de Godah e Sexo — a comédia estão cravadas na mente do público. Adriana participou, também, do Zorra total, programa de comédia da Rede Globo.

Em dado momento da carreira do grupo, Os Melhores do Mundo foram residentes, por aproximadamente uma década, no Teatro dos Bancários, na comercial da 314 e 315 Sul. Para brindar a casa lotada ou para simplesmente matar a fome acumulada do dia corrido, um bom lanche rápido caía bem. E o quiosque do Beto ficava a apenas uma tesourinha de distância. Por vezes, ele foi o responsável por alimentar a trupe no fim da noite.

A mãe de Adriana, com aversão a manter-se no mesmo local por muito tempo, se mudou diversas vezes dentro de Brasília. Antes de ter a própria independência, a comediante a acompanhava nas aventuras para habitar novas casas. Mais recentemente, a última mudança foi para Pirenópolis. Adriana, que já vivia com a própria família, resolveu reviver os tempos de mãe e filha e foi passar o tempo pandêmico na mesma cidade. Para a comodidade dos filhos, porém, era necessário ter um local em Brasília. A atriz encontrou uma residência na Asa Sul que funciona como uma espécie de vila. Os vizinhos compartilham de uma área comum no fundo das casas. Interessada pelo conceito, que traz proximidade e segurança, Adriana fincou bandeira por lá.

Animada com o novo lar, a artista preparou um bolo especial e logo pôs no forno. No tempo do fermento dar corpo à massa e dos aromas se espalharem, alguém bate à porta. Era Beto. Aquele que, por vezes, serviu Adriana seria, agora, servido por ela. O pedaço de bolo com café propiciou, bem à moda brasileira, uma conversa para que os amigos colocassem o papo em dia e se atualizassem após tantos anos de amizade. O filho de Beto, hoje adulto, confessou a Adriana que tentava acompanhar o pai nas apresentações do grupo, mas que acabava ficando de fora por não ter idade para assistir aos espetáculos. Se Beto recebia a segunda geração de frequentadores do quiosque, Adriana estava diante da segunda geração de fãs. Por fim, a mesa desta relação estava posta e farta. O cheiro que sai da chapa ou o aroma de um bolo caseiro recém saído do forno são suficientes para reatar a amizade dos moradores à volta.

*Estagiário sob supervisão de José Carlos Vieira