Legado roqueiro da Plebe Rude é fruto de amizade de quase 5 décadas

Renata Nagashima

Arquivo pessoal
André X e Philippe Seabra: 40 anos de rock e muita estrada | Foto: Arquivo pessoal

Banda icônica do rock de Brasília, a Plebe Rude completou 41 anos de existência e a história do grupo caminha com a relação dos amigos André Philippe de Seabra, 55 anos, e André X Mueller, 60. Os dois se conheceram há quase cinco décadas, quando o mais novo ainda era uma criança, mas eles não imaginavam o legado que criariam juntos.

Formada em 14 de julho de 1981, a Plebe Rude, viria a se transformar numa das principais bandas de punk rock do Brasil. O grupo, originalmente, tinha como integrantes Philippe Seabra (guitarra e vocal), André X (baixo), Ameba (guitarra) e Gutje (bateria). Tempos depois, os dois últimos foram substituídos por Clemente e Marcelo Capucci. A Plebe chegou a lançar sete discos de estúdio e dois gravados ao vivo.

André veio de Curitiba para a capital em 1970, com os pais que eram professores da Universidade de Brasília (UnB). Por um tempo, o baixista morou na Colina, onde conheceu a maioria da galera da “Tchurma”, composta por jovens que mais tardar viriam fundar outras bandas como Aborto Elétrico, que posteriormente deu origem Capital Inicial e Legião Urbana, Blitx 64, Metralhas e outras.

Quando se mudou dos Estados Unidos para o Distrito Federal, em 1976, Philippe Seabra tinha apenas 9 anos e sequer falava português. Filho de um diplomata português com uma paraense, a família decidiu vir para o Brasil para que a mãe de Seabra ficasse perto da família, já que o avô dela era deputado em Brasília. Segundo ele, só começou a se sentir brasiliense quando conheceu a famosa Tchurma.

Os dois amigos se encontraram por meio de Alex, irmão mais velho de Philippe. “Ele era amigo do meu irmão e eu era mais aquele pirralhinho que ninguém dava bola”, brinca Seabra. No Lago Norte, as duas famílias moravam na mesma quadra e os mais velhos iam para a escola juntos, mas André e Philippe não se aproximaram de cara por conta da diferença de idade.

Depois de alguns anos, em 1978, André X se mudou com a família para a Inglaterra, onde a mãe faria um doutorado. “Foi bem na época da explosão do punk, então eu ficava gravando as bandas novas na rádio e mandando para o Alex, só que ele meio que ignorou. Mas o Philippe não, ele pegou e começou a tirar essas músicas na guitarra”, recorda o baixista.

Quando voltou para Brasília, André estava determinado a montar uma banda e começou a busca pelos integrantes. “Um dia eu estava na casa do Alex e ouço alguém tocar o Stiff Little Fingers, que é uma das bandas que a gente adorava. A pessoa estava tocando direitinho. Daí Alex me disse que era o irmão dele. Convidei o Philippe e desde então estamos aí, há mais de 40 anos andando juntos na Plebe.”

Pianista norte-americana encanta vizinhos com música clássica no Lago Sul

Pedro Almeida*

A musicista convidou o amigo havaiano Patrick Yim para acompanhá-la ao violino. Arquivo pessoal
A musicista convidou o amigo havaiano Patrick Yim para acompanhá-la ao violino | Foto: Arquivo pessoal

Onde as palavras falham, a música fala. Há seis meses em Brasília, a pianista clássica norte-americana Jennifer Heemstra, que ainda não domina o português, encontrou nas teclas do piano uma forma de dialogar com a nova vizinhança. De portas abertas, Jen recebe os vizinhos para concertos intimistas na própria sala de estar, no Lago Sul.

Nascida na cidade de Grand Rapids, em Michigan, nos Estados Unidos, Jennifer Heemstra estudou piano na Universidade Estadual do Michigan e, posteriormente, concluiu um mestrado em música no Cleveland Institute of Music. Como solista e musicista de câmara, se apresentou nos Estados Unidos, Europa, Ásia, Emirados Árabes e, agora, no Brasil. O amor pela música, evidente na devoção acadêmica, se alinhou, também, ao interesse por causas sociais. Além das teclas brancas e pretas, Jennifer comanda duas ONGs: a Kolkata Classics, que atua em Kolkata, na Índia, com aulas de música clássica para crianças e acesso à saúde voltado para mulheres vítimas de tráfico; a Pitch Pipe Foundation leva a melodia para os veteranos de guerra dos Estados Unidos.

Recém-chegada a Brasília, a artista se diz apaixonada pela beleza da cidade e pelo frescor do ar da capital. As plantas exóticas em meio ao concreto e o calor e receptividade dos moradores a encantaram logo na chegada. Nos primeiros dias de casa nova, ela foi convidada pelos vizinhos a assistir uma apresentação musical natalina no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A generosidade do convite e a musicalidade dos brasileiros tornaram aquela experiência impactante e um marco do novo começo.

Jen viu as ondas sonoras emitidas pelo piano dela se dissiparem nas barreiras invisíveis da pandemia. As possíveis praças e salas de concerto da cidade estavam fechadas. Diante da impossibilidade de se apresentar, a pianista resolveu reinventar a própria sala de estar. Em posse de alguns equipamentos de show, Jen montou um cenário profissional em casa, centralizou o piano na sala e convidou o amigo Patrick Yim, que veio do Havaí para acompanhá-la ao violino.

Concerto na casa de Jennifer Heemstra: uma ação cultural para reunir a comunidade. Arquivo pessoal
Concerto na casa de Jennifer Heemstra: uma ação cultural para reunir a comunidade | Foto: Arquivo pessoal

Os vizinhos foram, então, convocados para presenciar o novo projeto. Uma hora antes do horário marcado, o jardim estava aberto com drinques e petiscos para que Jen conhecesse os novos amigos de rua. Se o inglês dos moradores, por vezes, não era o melhor, a música serviria de linguagem universal. E a conversa com notas rendeu de forma harmoniosa. Em duas semanas, a dupla se apresentou seis vezes. Em um segundo momento, Jen promoveu mais um ciclo de apresentações com o duo de violinistas Luciana Caixeta e Ricardo Palmezano.

Para completar, fez uma versão da apresentação voltada somente para as crianças do bairro. Atualmente, com a melhora da pandemia, a artista já voltou a se apresentar em salas de concerto, mas mantém uma periodicidade de uma ou duas apresentações por mês em casa para reunir os, agora, amigos da rua.

Uma das moradoras da rua é a brasiliense Núbia Holanda Cavalcante, taquígrafa da Câmara dos Deputados. Ela relata que gosta de receber bem os novos vizinhos. Ao ver o marido de Jennifer, que chegou primeiro, fazia questão de cumprimentá-lo. Nas conversas ao portão, ele destacava as qualidades da esposa musicista, que estava por vir.

Burocracia

Quando Jennifer chegou, Núbia foi conhecê-la. A vizinha e o marido convidaram o casal de estrangeiros para entrar e bater um papo. A visita rendeu ótimas conversas e deu início à amizade. Antes mesmo de Jennifer anunciar o primeiro concerto para a rua, Núbia teve o privilégio de conseguir ouvi-la ensaiar da própria casa. Quando o convite veio, foi impossível recusar. O emocionante concerto cumpriu o papel de unir a rua e quebrar o marasmo pandêmico. Núbia relata se inspirar na força de vontade de Jennifer. A taquígrafa relata que a pianista, apesar das adversidades burocráticas brasileiras e dos diversos “não” recebidos, não impedissem o projeto.

Jennifer e Núbia provam que uma vizinhança unida é aquela que dialoga. Seja em qual língua for; inglês ou português. Contanto que os sons vibrem pelo ar, há a possibilidade de amizades incríveis. No caso da vizinha na quadra 26 do Lago Sul, fala-se música.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

Paixão pela cultura gera amigos de luta e de poesia na cena artística do DF

Edis Henrique Peres

Edis Henrique Peres/CB/DA Press
Vicente Sá (E) e Renato Matos, são amigos e compartilham entre si músicas brasilienses | Foto: Edis Henrique Peres/CB/D.A. Press

Unidos pelo amor à arte, artistas plásticos, poetas e produtores culturais encontraram no companheirismo não apenas um vínculo de amizade sólida, mas também um laço familiar. “Uma relação que foi se construindo e se fortalecendo ao longo do tempo e que hoje faz com que sejamos mais que amigos, somos praticamente irmãos”, define Lúcia Leão, 66 anos, coordenadora do Espaço Cultural Leão da Serra. A amazonense deixou o estado natal para ir estudar no Rio de Janeiro, mas em 1977 se mudou da cidade carioca e veio construir a vida em Brasília. Produtora cultural, ela conta que logo que chegou à capital  conheceu o artista plástico Renato Matos, 70, que nos anos seguintes se tornaria um grande amigo. O também cantor e compositor lembra do começo dessa parceria com orgulho: “Foi ela (Lúcia) que produziu meu primeiro disco. Uma história antiga, mas uma história maravilhosa”.

As idas e vindas dessa amizade uniu um terceiro artista ao grupo: o marido de Lúcia, o poeta Vicente Sá, 65. “Eu conhecia Renato de vista, mas ainda muito pouco. Depois produzimos alguns projetos juntos e, por causa da Lúcia, nossa relação foi se estreitando. Então aconteceu que há cerca de nove anos ele precisava de um local para montar seu ateliê e tínhamos um espaço na propriedade. Agora ele é nosso vizinho”, relata. “Como não é muito longe uma casa da outra, a gente costuma se encontrar para conversar no meio do caminho”, brinca Vicente.

A afinidade garante, inclusive, colaborações em trabalhos artísticos. “Temos músicas que escrevemos juntos, eu e o Renato. É um trabalho que fazemos constantemente. De vez em quando, outros amigos vêm até aqui, de 15 em 15 dias, para compormos algo, em um exercício de produção. Tem dia que dá certo, outros que não tem resultado. Mas com essa prática já temos umas dez músicas escritas. Outras vezes, eu também vou ao ateliê do Renato ver os quadros em que ele está trabalhando. Somos grandes parceiros do trabalho um do outro”, garante Vicente.

Luta pela cultura

Natural de Pedreira, Maranhão, Vicente Sá chegou em Brasília aos 11 anos de idade, em 1968. “Ainda era ditadura. Meus pais vieram para cá porque meu irmão mais velho passou na UnB (Universidade de Brasília) então todo mundo veio junto. Sou o mais novo de 19 irmãos. No fim, Brasília influencia muito o que produzo, porque praticamente me criei aqui, morei em várias regiões administrativas e semanalmente publico crônicas em minhas redes sociais sobre a cidade”, cita.

Lúcia conta que por muito tempo disse que Brasília era uma cidade sem avós. “As pessoas vinham para cá separadas da família, sem ter os parentes mais próximos morando aqui. Então quando você precisava de alguma coisa, que seriam situações que geralmente pedimos ajuda para a nossa mãe, irmã, ou algum familiar, aqui em Brasília contávamos com nossos amigos. Então são esses amigos que vão se tornando essas pessoas com laços profundos, de relações muito sólidas. Os amigos tem que contar com os outros para criar essa rede de solidariedade, e não somente porque somos artistas e enfrentamos desafios parecidos, mas porque somos gente”, defende.

“Uma relação que foi se construindo e se fortalecendo ao longo do tempo e que hoje faz com que sejamos mais que amigos, somos praticamente irmãos”

Lúcia Leão, coordenadora do Espaço Cultural Leão da Serra