Brasília é uma verdadeira obra de arte a céu aberto. O Plano Piloto projetado por Lucio Costa e repleto de monumentos de Oscar Niemeyer se tornou um ícone do modernismo brasileiro. A disposição pensada em quatro escalas – monumental, residencial, gregária e bucólica – criou uma cidade parque.
E qual a melhor forma de conhecer um parque se não de bicicleta? O Correio preparou uma rota que passa pelos principais monumentos de Brasília, confira a seguir:
1. Memorial JK
Partindo de um dos pontos mais altos da cidade, nosso passeio começa no Memorial JK. Construído em homenagem ao presidente que transferiu a capital do Brasil para o Planalto Central, o monumento guarda a história por trás da construção da cidade aniversariante. O espaço reúne acervo pessoal e político de Juscelino Kubitschek, com fotos que contam detalhes de sua vida, maquetes, vestes, imagens da construção e inauguração da capital e, ainda, uma reconstituição da biblioteca pessoal trazida diretamente do Rio de Janeiro. O memorial está aberto para visitação de terça a domingo, das 9h às 18h. O ingresso custa R$ 10, com meia-entrada para estudantes e idosos.
2. Mané Garrincha
Continuando a rota em direção à Esplanada, você verá, à sua esquerda, o Centro Esportivo de Brasília, formado pelo estádio Arena BRB Mané Garrincha e a Arena BRB Nilson Nelson. O espaço é palco para shows e competições desportivas, e em breve contará também com um Boulevard. As visitações são gratuitas e acontecem aos sábados, das 9h às 12h.
3. Planetário
De frente para o estádio fica o Planetário de Brasília Luiz Cruls, homenagem ao astrônomo belga responsável pelo mapeamento do Planalto Central. O local é um centro de diversão e contato com a ciência. Durante a visita, é possível admirar um modelo de foguete suborbital usado pela Agência Espacial Brasileira, tirar uma foto ao lado do macacão espacial de Marcos Pontes, único brasileiro cosmonauta, e assistir a um filme em 3D projetado na cúpula do Planetário. O horário de funcionamento é de terça a domingo, das 9h às 21h. Entrada é gratuita.
4. Centro de Convenções Ulysses Guimarães
Ainda no Centro de Diversões de Brasília está o Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Inaugurado em março de 1979, o espaço passou por um processo de reforma e ampliação no ano 2000 e foi reinaugurado em setembro de 2005. Agora, com capacidade para abrigar mais de 9 mil pessoas ao mesmo tempo, o Centro de Convenções recebe shows e eventos variados.
5. Torre de TV
A Torre de TV é um marco visual da cidade. O projeto de Lucio Costa foi inaugurado há 55 anos para receber antenas de emissoras de rádio e TV. O mirante da Torre, a 75 metros do chão, é parada obrigatória para quem quer entender toda a simetria do plano piloto. A vista panorâmica das asas Sul e Norte e dos monumentos pelos quais acabamos de passar em nosso passeio são de tirar o fôlego. A visita à Torre de TV se completa com o passeio pela Fonte Luminosa e pela famosa Feira da Torre, que oferece aos visitantes o melhor do artesanato e da identidade local. O mirante fica aberto de terça a sexta-feira, das 12h às 17h45. Aos sábados, domingos e feriados, o funcionamento é das 9h às 17h45.
6. Biblioteca Nacional de Brasília
Nos aproximando do fim do passeio, temos a Esplanada dos Ministérios. O vasto gramado acomoda, além dos prédios ministeriais, outros cartões postais da capital, todos projetados por Oscar Niemeyer. Começando com a Biblioteca Nacional, disponível para visitas desde 2008. Além do serviço de empréstimo, a biblioteca permite a realização de eventos culturais, como exposições e palestras. O usuário também pode acessar a internet gratuitamente. De segunda a sexta-feira, a biblioteca funciona das 8h às 20h. Aos sábados e domingos, o público pode visitá-la das 8h às 14h.
7. Museu Nacional da República
O Museu Nacional da República é mais uma obra assinada por Oscar Niemeyer. O espaço em formato de semi-esfera é utilizado para exposições itinerantes de artistas renomados, palestras, mostra de filmes, seminários e eventos. Dessa forma, contribui para a educação democrática por meio da cultura e ativa o turismo. A entrada no espaço é gratuita e pode ser feita de terça a domingo, das 9h às 18h30.
8. Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida
A Catedral Metropolitana concentra todos os elementos pelos quais Niemeyer é reconhecido: linhas arquitetônicas únicas, vidros e espelhos d’água. O templo pode ser visitado de terça a sábado entre 8h e 16h45. Aos domingos, o horário de visitação é das 9h às 17h45.
9. Congresso Nacional
Principal cartão postal de Brasília, o Palácio do Congresso Nacional está situado no fim do Eixo Monumental. A sede do Poder Legislativo é composta por uma cúpula menor, voltada para baixo, que abriga o Plenário do Senado Federal. Já a cúpula maior, voltada para cima, abriga o Plenário da Câmara dos Deputados. Entre as duas cúpulas se encontram duas torres de 28 andares: uma delas pertence à Câmara e a outra, ao Senado. Atualmente as visitas presenciais ao Congresso Nacional estão suspensas e sem previsão para retorno.
10. Praça dos Três Poderes
Enquanto o Congresso ocupa um dos vértices do triângulo que delimita a Praça dos Três Poderes, a base do triângulo é formada pelo Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Para visitar o centro do poder no Brasil é preciso agendar as visitas por meio dos canais oficiais. Além disso, também é possível encontrar o conjunto cultural da Praça dos Três Poderes, composto pelo Museu da Cidade, o Espaço Lucio Costa e o Panteão da Pátria Tancredo Neves. Todos contando parte da história da idealização e construção da capital do país. As visitas ao Espaço Lucio Costa e ao Panteão da Pátria podem ser feitas de terça a domingo, entre 9h e 18h.
E aí, já preparou sua bike? Veja as imagens do passeio no vídeo:
Há 62 anos, Brasília era inaugurada como a nova capital do país. Entre um presidente orgulhoso de cumprir a promessa eleitoral e centenas de trabalhadores que ergueram prédios e monumentos em tempo recorde, a história da cidade começava como uma folha em branco onde cada morador poderia escrevê-la junto com a nova capital.
As primeiras décadas da cidade foram como a adolescência de qualquer um: ousada, cheia de descobertas e primeiras vezes. Foram os primeiros moradores e nascidos aqui os responsáveis por marcar a cidade com memórias e lugares que fizeram da capital um lar. De uma asa a outra, do lado de cá e do lado de lá do Lago, entre teatros que não existem mais e movimentos punks que marcaram a história nacional, o legado que a primeira geração da cidade deixou ressoa até hoje na cidade.
Ao Correio, alguns estreantes da cidade lembraram como era a capital e revelaram do que mais sentem falta aqui. Confira!
De 6 km a pé para ver o Rei do Pop até ajudar o “primeiro” morador de rua
Ginásio Nilson Nelson, nas primeiras décadas de Brasília. O local já era o point para receber shows e entreter moradores da cidadeA frase “quem quer dar um jeito” nunca foi tão adequada para definir um dos momentos mais marcantes da vida de Orlando Trindade, 61 anos, na capital. Morador de Brasília desde os seis meses de idade, Orlando lembra de um dos momentos que parou a história dele: um show de ninguém mais e ninguém menos que o Rei do Pop, em 1974. Na época, no entanto, Michael Jackson ainda era apenas um dos Jackson’s Five, grupo que tinha com os irmãos e que o revelou ainda na infância.
Morador da 410 Sul, Orlando soube que a banda estadunidense que já havia aparecido de vez em quando na TV de tubo dele iria estar em Brasília, no Ginásio Nilson Nelson. O problema era que o show era muito caro e a turma aceitou que não poderia viver o momento.
Mas a sorte mudou e, por um imprevisto, a banda não pôde chegar no dia marcado e a gestão do evento decidiu abrir o show para todos os moradores de Brasília. Essa foi a chance do grupo de amigos que, agora, só precisava superar um pequeno obstáculo: a distância de 6 km entre a quadra deles e o local do show.
“Não tinha ônibus para lá. Eles abriram de graça para todo mundo e eu e minha turminha só pensamos em ir. Fomos a pé, da 410 sul até o Ginásio. Eu tinha acabado de machucar meu pé, mas a gente não pensava em nada disso, a gente só pensava em ir e ver o show. E a apresentação marcou a minha vida. Caramba! Que coisa maravilhosa! Eles ali, cantando, dançando, em inglês. Caramba! Um amigo meu teve que me carregar nas costas, mas foi incrível”, lembra Orlando, aos risos. No total, o grupo teve que percorrer 12 quilômetros a pé para viver o momento e voltar para casa.
No entanto, esse foi apenas um momento de uma geração que, segundo Orlando, era viciada em viver e fazer viver. Prontos para tudo, poderiam dizer. Inclusive para um possível resgate.
“Por volta da mesma época, o Correio e o telejornal da época deram a notícia de que havia um mendigo na cidade. Meus amigos e eu juntamos comida, roupas e saímos por Brasília inteira para achar e ajudar essa pessoa. A gente não achou”, conta. “Mas era comum a gente fazer aquilo. Hoje, a gente tem milhares de mendigos na cidade e ninguém tá nem aí para ninguém”, lamenta Orlando.
Do acampamento dos construtores vieram os amigos e o amor eterno
Um amor arrebatador. Oneide Soares, de então 19 anos, não imaginava que vir do Piauí com a família, para atender um desejo da mãe em conseguir mais trabalhos como costureira, iria fazer com que ela encontrasse o amor da vida dela, bem no meio de um acampamento improvisado para construtores de Brasília.
Ela chegou à capital na década de 1970 e se instalou em uma espécie de quitinete na Candangolândia, no Acampamento dos Engenheiros, destinado a engenheiros, construtores e qualquer outro tipo de trabalhador que viesse para a construção de Brasília.
Logo conheceu o vizinho, que veio de Minas Gerais. Ele contou que o irmão dele morava com ele na Capital, mas decidiu voltar. Quando ela viu José Roberto pela primeira vez, em 1980, teve a certeza que era alguém especial. Entre as ruas que não eram asfaltadas e apoiados nas paredes de madeira do Acampamento, os dois trocavam olhares, algumas conversas…
Por um ano inteiro, não se desgrudaram. “Éramos inseparáveis. Eu estudava à noite e ele me buscava. No tempo livre, íamos para o clube do grêmio, que era nossa diversão, a gente ia lá, de manhã era piscina e à tarde, churrasco. Íamos andando, não tinha tempo ruim”, lembra. “Em outros domingos, a gente ia ao cinema, no Conjunto Nacional, mas só se a sessão acabasse antes das 22h, porque se não não teria ônibus para voltar”, conta aos risos.
A rotina, no entanto, não era suficiente. Oneide e José Roberto queriam dividir uma vida juntos. “Um ano depois, a gente já estava casado. Foi amor. Amor à primeira vista. E amor que não coube só na gente. Em 1982, eu já estava ganhando meu primeiro filho”, conta emocionada.
Juntos, os dois fizeram da casa deles e, do acampamento, uma espécie de grande família. “Todo mundo era amigo de todo mundo. Todos viviam na casa um do outro, não tinha isso de individualismo. Tudo era festa. A gente fazia festa junina, barraquinha, concurso de quadrilhas”, lembra com felicidade.
Hoje, Oneide afirma que não imaginava viver uma vida tão boa em Brasília. “E eu sinto falta. Hoje, todo mundo tem que trabalhar, trabalhar e trabalhar, e não tem tempo”, diz. Mas ela ainda afirma que a capital continua sendo um lar para ela, os filhos, os netos e para o grande amor da vida dela, José Roberto. “Estamos juntos até hoje, graças a Deus, né?”
Do Gilberto Salomão a entrar de penetras em festas
Marco Jardim pode dizer que não só conhece a essência de Brasília, mas também é parte dela. O brasiliense foi um dos primeiros bebês a nascer na nova Capital, em novembro de 1960. O pai dele, de Diamantina (MG), veio para a cidade em 1959, um verdadeiro pioneiro.
É com esse espírito desbravador, herdado dos pais, que Marco viveu os primeiros anos da vida dele. Desde cedo, é apaixonado por conhecer todos que cruzam o caminho dele. A missãonunca foi muito difícil, já que na mesma época ele lembra que todos tinham o mesmo pensamento.
“Até entrar de penetra a gente entrava. Se a gente estava na 111, conversando com as pessoas, sabíamos que tinha uma festa na casa de alguém na 113 e a gente ia, empolgado, chegar até lá e tentava entrar de penetra”, lembra aos risos.
“Sexta, sábado e domingo era o Gilberto Salomão, o point da época. A gente sentava com todo mundo e sempre conhecia gente nova”, lembra Marco. Para ele, a maior riqueza de Brasília é conviver com diferentes culturas.
“Eu sentava em uma mesa com três, quatro pessoas e perguntava de onde eram. Numa mesma mesa tinha quatro estados, quatro culturas e a troca de conhecimento era enorme. Isso é riqueza”, lembra, empolgado.
“É um privilégio conviver com pessoas diferentes e eu sei que não teria isso em outros lugares do Brasil. Eu até brincava que eu era mineiro, gaúcho, paulista, porque na época o brasiliense não tinha uma identificação própria, nós éramos todos”, conta. “Essa vivência de comunidade, de todos se conhecerem, é o que eu sinto mais falta”, suspira.
O teatro que apresentava o Brasil, o mundo, e marcava vidas
Do interior baiano, Antonilia Marra sempre aspirou descobrir o Brasil além dos limites de Barreiras (BA), uma cidade que, na década de 1960 oferecia apenas um viés da agricultura. Por esse motivo, quando ela viu que a tia e duas irmãs dela viriam a Brasília, logo avistou uma oportunidade de encontrar um novo lugar para alcançar o que ela nem mesmo sabia na época: viver a plenitude do mundo, da cultura e da poesia.
“Na minha cidade, dependia muito de agricultura, não tinha outras oportunidades. Minha vida ia ser muito diferente lá e eu tinha uma ambição de não ficar na mesmice, queria crescer. Apesar de não ter muito conhecimento do que era aqui, eu queria e precisava fazer algo para viver outras coisas”, lembra.
Ela contou ao pai que a cidade era uma oportunidade de trabalho e, apoiada por ele, chegou à capital aos 16 anos, em 1976. Logo Antonilia se encantou com o design da cidade, os ares modernos e “o clima super agradável”.
Entre passeios no Parque da Cidade e no Conjunto Nacional, ela se satisfazia em ver que a vida poderia ser mais do que só trabalho. No entanto, foi apenas quando pisou no Teatro Nacional que teve a certeza de que encontrou o que buscava: um lugar que a levaria a conhecer o mundo e a ser inspirada pela arte.
“Era o lugar que eu mais gostava de ir. Era uma oportunidade de ver coisas novas, de descobrir o mundo. Eu não conhecia cultura e ali eu vi muitos espetáculos. Era um outro mundo”, conta, emocionada.
Cerca de 42 anos depois, Antonilia ainda se lembra do dia em que a vida dela foi marcada naquele Teatro. Ela assistiu ao espetáculo A Chorus Line, no qual Claudia Raia protagonizava uma história de superação de um grupo de artistas que corriam atrás do sonho de estrelar na Broadway.
“Era um musical, uma versão de um espetáculo americano. Foi muito bonito e uma mensagem muito forte. Me marcou demais”, lembra Antonilia. O espetáculo também marcou a carreira da atriz Claudia Raia: aos 16 anos, ela estreou nos palcos com a obra, que marcou o começo de uma nova era dos musicais brasileiros.
Além de Cláudia, Antonilia assistiu a Chico Anísio e outros grandes atores da época. Ela lembra que o teatro também era palco de diversas exposições, até mesmo de plantas.
“A cada seis meses, no saguão, tinha uma enorme feira que ficava lá. Era uma oportunidade de conhecer mais coisas e por isso eu gostava muito”, lembra. Apesar do fechamento do Teatro, Antonilia afirma que “Brasília ainda é o melhor lugar para morar, trabalhar, estudar, viver e constituir família”.
“A energia de Brasília não tem igual. Eu já fui para vários estados do Brasil, observo as pessoas e as cidades e é muito diferente. Aqui, as pessoas cuidam de onde moram, são conscientes e têm um bom convívio”, finaliza.
Dos dias de pesca no Paranoá para os de carona até o heavy metal
“Eu tive a infância e a adolescência mais felizes do mundo”, declara, empolgada, Rosane Galvão. Hoje com 51 anos, a brasiliense diz ter certeza de que em nenhum outro lugar, a não ser em Brasília, ela teria a oportunidade de viver tão bem.
Criada no Lago Sul, Rosane e a família moravam na QI 19. “A rua era descalça, só tinha duas casas, não tinha nenhuma das pontes ainda e ali fizemos um lar. Meus pais eram perfeitos, eles nos ensinaram a viver”, lembra a taquígrafa.
Com os quatro irmãos e os pais, a família fez do Lago Sul um mundo deles. Amavam ir até o Lago Paranoá pescar, aproveitavam a água da chuva para curtir uma “piscina” e inauguraram o primeiro clubinho de futebol do local. “Papai gramou um lote do lado de casa, chamou os moradores do Lago e fez até carteirinha. Era muito divertido”, lembra Rosane.
Na adolescência e no início da juventude, a brasiliense passou a explorar a cidade do outro lado do Lago. “A gente não conseguia ficar em casa. Queríamos sair, sempre. Viver o encontro, o presencial, o olho no olho. Viver”, declara. Nem mesmo a falta de carro a atrapalhava. “Minha irmã e eu íamos para a pista, colocava o dedo pra fora e pegava carona para ir para o Plano. Tudo era carona para irmos aonde queríamos. O importante era ir para a rua”, lembra.
Assim como Rosane, outras centenas de jovens procuravam todos os cantos de Brasília para ocupar e deixar com a cara deles. Foi assim que nasceram os diversos movimentos musicais, principalmente o heavy metal, paixão de Rosane.
Estudante da Escola de Música de Brasília por sete anos, ela foi convidada a tocar em uma banda só de mulheres em 1987, onde tocava baixo. “A Flâmia é, tenho quase certeza, a primeira banda de heavy metal só de mulheres do Brasil”, conta, orgulhosa.
De sobrelojas na Asa Norte até as cidades do Entorno, a banda divertiu outros amantes do estilo musical. “A gente reunia muita gente, nós vivemos tudo o que poderíamos viver. Desde rixas entre os punks, metaleiros e carecas, tentativas de sabotagem de uma banda que a gente era ‘inimiga’ até a apresentação na Concha Acústica”, lembra.
Nos anos 2000, Rosane integrou a Rarabuchuebas, onde era a única mulher. Ela lembra que a banda tocou nos grandes festivais de rock da capital, como o Brasília Fest Rock e o Gran Circo Lar, que não existe mais.
A brasiliense guarda na memória e ainda hoje toca, ao lado das filhas, músicas de rock. Ela diz ter saudade da efervescência da capital e a prioridade que todos tinham em estar juntos.
“Brasília tinha a ver com movimento e contato físico. A gente era solto na cidade, a gente vivia muito. As pessoas eram mais tolerantes. Hoje é inimaginável você fazer uma banda para tocar em uma sobreloja, ninguém ia aceitar ouvir. Antes, as pessoas eram mais tolerantes e tinham respeito pela energia e vitalidade da juventude. Eu lamento pelas minhas filhas, que não vão viver o que já vivi um dia”, lamenta.
Quem disse que os comércios precisam ser, necessariamente, concorrentes entre si? Em Brasília, existem histórias de estabelecimentos vizinhos, em que os donos criaram uma parceria que vai muito além da relação de negócios. É o caso de Alda Ramos, 59 anos, dona da loja de roupas que leva o seu nome na 209/210 Norte, e a amiga Josyrene Lucena, 42, que possui um instituto de beleza na mesma galeria da quadra.
As duas são vizinhas de loja, mas a amizade começou a ser cultivada quando Alda ainda nem pensava em ter um comércio em Brasília. “Conheço Josyrene desde quando ela tinha um instituto de beleza próprio na 409 Norte, há cerca de 15 anos. Na época, eu trabalhava como funcionária pública — hoje sou aposentada — e era ela que arrumava o meu cabelo e as minhas unhas”, conta a empresária.
Josy, como é chamada carinhosamente pela amiga, lembra que o relacionamento teve que ser interrompido por um tempo, no período em que precisou fechar o salão. “Nos encontramos de novo quando eu passei a trabalhar em um instituto de beleza da 209/210, em 2017. Cerca de seis meses depois, decidimos abrir nossas lojas, quase que ao mesmo tempo, quando a galeria ainda não tinha um viés tão comercial. A gente costuma dizer que incentivamos outros negócios a também se estabelecerem aqui”, comenta a dona do empreendimento de beleza.
Ponto de partida
Alda aponta que, a partir desse momento, o laço de amizade entre as comerciantes se estreitou ainda mais. “Passamos pela pandemia da covid-19 com os muitos problemas e dificuldades que ela trouxe para o país. Nos fortalecemos fazendo parcerias de venda, apresentação de nossos produtos e serviços. Porém, a maior delas: indicando clientes uma para a outra”, detalha. “Ela também atende a família em casa e, com isso, acabou ganhando o pessoal lá de casa como cliente, assim como eu também ganhei a família dela”, destaca Alda. Ela diz que isso foi determinante para que a amizade tomasse rumos para fora do ambiente de trabalho. “Não são poucas as vezes que nos encontramos após o expediente para uma boa prosa, preparar estratégias e atrair novos clientes, como também, falarmos de assuntos pessoais e familiares”, frisa.
No entanto, Josyrene brinca que, fora da galeria, a amizade das duas segue com planos frustrados e que ainda não saíram do papel. “Combinamos várias viagens, mesmo que para lugares mais próximos do DF, mas nunca foram concretizadas. Se fosse contar todos os planos, acho que teríamos viajado o mundo todo”, ironiza. “Mas pretendemos concretizar algum desses planos em breve, com uma viagem de ‘mulherzinhas’, seja uma viagem de compras, ou mesmo ir para a praia — algo que gostamos muito”, assegura Josy.
Falando sobre programas sociais dentro do DF, as amigas afirmam que costumam sempre se encontrar. “A gente também sai para fazer algum happy hour. Mas, tanto eu quanto a Josy, trabalhamos muito e temos uma vida fora das lojas. Por isso, nossos encontros são, quase sempre, marcados em cima da hora”, confessa Alda. “Além disso, a Alda começou a reunir nossas famílias, em época de Copa do Mundo, para assistir aos jogos e tem sido muito legal”, lembra a dona do salão, dizendo que estão se programando para fazer o mesmo este ano.
Gratidão
Ambas fizeram questão de destacar o que mais valorizam na amizade cultivada durante o tempo. Para Alda, a parceria entre elas é o que mais marca a relação. “O fato de termos nos ajudado durante a pandemia, quando eu tinha dificuldade até para pagar funcionários, por exemplo, é algo que vou lembrar para sempre”, aponta. “Eu sou muito grata a ela por tudo isso”, agradece Alda.
Enquanto isso, Josy comenta sobre uma característica que considera a principal na amiga. “Gosto muito da postura da Alda, ela é uma pessoa muito motivadora. Apesar de estar aposentada, continua batalhando na vida”, observa. “Ao meu ver, ela não precisaria estar aqui, tendo que administrar duas lojas e, mesmo assim, continua. É essa força que ela tem que me motiva todos os dias a seguir em busca dos meus objetivos”, conclui.
O primeiro domingo de cada mês é uma data esperada com ansiedade pelos moradores da QL 5 do conjunto 7 do Lago Norte. Neste dia, os vizinhos se encontram em um passeio cultural por pratos típicos de diversos estados do Brasil, com direito a uma tarde de prosa e boas risadas. A tradição dos almoços da quadra duram mais de 15 anos e garantem o posto de “segunda família” entre os participantes. Gorete Reis, 68 anos e advogada, reside no local há 30 anos e conta como o almoço da vizinhança começou.
“Tínhamos a tradição de fazer uma festa junina, em junho, quando nos encontrávamos. Era tudo super organizado. Nessa época, havia uma vizinha que puxava uma quadrilha com os moradores. Era uma festa que nos unia muito. Mas acontecia apenas uma vez por ano. Daí, começou a ideia de fazermos um almoço. O Carmo (Gonçalves), que era muito alegre, se entusiasmou com a ideia, e até hoje, costuma ser o primeiro, todo ano, a dar o almoço na casa dele”, conta.
Carmo, 61 anos, engenheiro mecânico, detalha que cada vizinho leva para o almoço um prato diferente e uma bebida da sua preferência. “Os encontros mensais servem para a gente socializar, é uma integração da vizinhança. Tratamos de assuntos da rua, de melhorias e alertas e também do dia a dia, jogando conversa fora. Aos poucos a prática foi prosperando e todo mundo gostou da ideia. Só tivemos que parar nesse período, devido à pandemia e estamos esperando um pouco para retomar a tradição, mas em junho talvez voltemos com os encontros”, pontua.
Os vizinhos costumam chegar por volta de 12h e a conversa rende até as 17h. Gorete explica que o grupo tem um calendário para os almoços que serão realizados ao longo do ano. “O dono da casa sempre oferta um prato diferenciado e temos receitas famosas de cada vizinho, como a costela do Cesinha, que é o morador César, ele faz uma costela assada muito gostosa. Tem outra vizinha que é fazendeira e faz o doce de leite dos diabéticos de sobremesa. É realmente uma confraternização, que costumamos levar até os filhos. É um domingo maravilhoso, de muita piada. A gente se ama muito, aqui é uma vizinhança solidária”, destaca.
A advogada explica que a experiência também envolve um passeio cultural. “Temos vizinhos de diversas localidades. Tem uma que é do Maranhão, uma outra que é do Pará, que sempre leva o pirarucu de casaca; e muitos outros como outros são pernambucanos e pessoas do sul. Cada um traz um prato típico do seu estado. Há uma troca de costume muito grande, com relação aos pratos, as histórias de infância, os hábitos. Meu marido, por exemplo, é goiano e gosta muito de costela de porco frita na panela com mandioca cozida, e este é um prato que eu costumo fazer nos nossos almoços”, acrescenta.
Além da gastronomia
A amizade entre os vizinhos, contudo, se estende para além de almoços aos domingos. Gorete destaca que esses vínculos são levados para a vida privada dos moradores. “Às vezes o casal faz aniversário de casamento, uma missa em casa, e os vizinhos são convidados. No casamento do meu filho, por exemplo, fiz somente reunião simples, mas não deixei de convidar todos os meus vizinhos. Outro caso é que teve um filho de moradores daqui que se casou no interior do Goiás e boa parte da vizinhança foi ao casamento, se hospedou na cidade e participou da cerimônia. O vínculo é forte entre a gente, somos praticamente uma segunda família”, salienta.
Nos momentos de tristeza os vizinhos também são um suporte uns para os outros. “Quando alguém está doente, ou quando precisa de ajuda, todo mundo se mobiliza. Não é apenas em situação de festa que estamos juntos. Há casos de vizinhos que se internaram e nós fomos ajudar para que ele fosse transferido para outro hospital. É uma solidariedade entre todos. Quando alguém coloca no nosso grupo que está doente, o outro já fala que tem alguma planta para chá que pode ajudar, todo mundo é preocupado com o outro”, afirma.
Não somente para os vizinhos que já estão consolidados na quadra, mas quem chegou recentemente também tem espaço para entrar no grupo e fazer parte dos almoços. Dayse Corrêa, 64 anos e aposentada, conta que quando chegou à CL 5 o evento já acontecia. “Logo que chegamos fomos convidados a participar e desde então nunca ficamos afastados. Em toda grande comemoração também nos reunimos, como aniversário e outras festas. A vizinhança aqui é muito solícita, ela manifesta as boas vindas, e todo mundo fica esperando a data do almoço”, revela.
Para Dayse, receber o convite dos vizinhos para participar da tradição da quadra foi emocionante. “O mais comum é termos um contato muito restrito com os vizinhos, mas aqui temos todo esse acolhimento amoroso. E não é por interesse, ninguém quer saber a sua profissão, o seu rótulo, é apenas uma amizade pessoal”, comenta.
A avaliação é a mesma de Maria Auta, 67 anos e aposentada. “Compartilhamos das dificuldades, das alegrias e dos problemas. O que acontece é que nesse processo dos almoços nos tornamos uma grande família. Quando precisamos de alguma coisa, as pessoas já se colocam à disposição. Partilhamos o que temos em casa, como frutas, por exemplo. O vizinho que tem manga saí dando para todo mundo, a mesma coisa com abacate, limão e ervas para chá. É uma interação e uma tranquilidade que não e ver em nenhum outro lugar”, finaliza.
“Na Itália é comum, todo o restaurante que se preze tem um personagem especial. São figuras populares na cidade, que por algum motivo se tornaram frequentes ali, a ponto de irem quase todos os dias para se beneficiar de regalias concedidas pelo proprietário”. Assim o chef-restaurateur Rosario Tessier resume a presença diária do fotógrafo Oswaldo Rocha na Trattoria Da Rosario, que completa hoje 20 anos.
Desde que ela foi fundada na QI 17 do Lago Sul, no Edifício Fashion Park, Oswaldinho — como é chamado o querido pioneiro da cidade —,
comparece invariavelmente todos os dias, até mesmo aos domingos quando o restaurante fecha mais cedo. “Ele dorme até o meio-dia e só chega aqui depois das duas da tarde”, entrega Rosario, que, generosamente, manda servir o que o amigo quer comer. Os dois têm mesmo uma relação de vizinhos, pois moram no Lago Sul, próximo do estabelecimento, eleito o melhor restaurante de Brasília no ranking da revista Encontro Gastrô 2021. Nessa ocasião, e em outras situações especiais, Oswaldinho acorre com a sua câmera para registrar os feitos do amigo.
Foi assim também na visita, em novembro passado, do barão Philippe Rotschild, que veio à capital e levou os vinhos produzidos por ele para acompanhar o cabrito à caçadora, servido com polenta finalizado com pasta de trufas negras e pecorino romano. Repórter-fotográfico é a última função de Oswaldinho, que ao longo de 84 anos incompletos, teve várias. Todo o grand monde de Brasília guarda em casa imagens em papel feitas por ele. Depois de mandar revelar as fotografias no laboratório da 202 Sul, que fica ao lado do extinto Piantella (ponto preferido no passado), o profissional arquiva o produto de seu trabalho numa enorme caixa acomodada no porta-malas do carro, um Corolla ano 2019, comprado de um amigo. Antes, teve um Fiat tempra 1995, que “muitas vezes precisava ser empurrado para pegar”, lembra Rosario, que adora o folclore em torno do cliente free.
Uma das histórias que mais diverte o dono da casa se deu durante o habitual giro pelo restaurante quando Oswaldinho reconheceu um importante empresário que havia clicado, algum tempo atrás, jantando com a mulher. Não teve dúvida, foi até o carro vasculhou a caixa até encontrar a prova que ofereceu exultante ao fotografado, como lembrança. Só que a acompanhante nesse dia já era outra. A foto acabou estragando o jantar, o empresário ficou furioso e foi preciso o chef acalmar o poderoso cliente com “o deixa disso” para ele não discutir com Oswaldinho no salão.
Ernane Rocha, pai de Oswaldinho, foi contemporâneo de Juscelino Kubitscheck e, como ele, teve a mesma profissão: telegrafista. Só que JK por pouco tempo, até se formar em medicina. A família Rocha se instalou aqui uma semana antes da inauguração da nova capital, onde Ernane se tornou o primeiro superintendente dos Correios e Telégrafos. Logo em seguida, JK o nomeou chefe postal do Palácio do Planalto, na época em que as comunicações restringiam aos teletipos, código Morse e telefone de manivela.
O jovem Oswaldinho também foi empregado na empresa estatal, primeiro no Rio de Janeiro, na sede da Praça Quinze, onde passava mensagens e “muitas vezes eu colava as fitinhas de papel nos telegramas”, lembra o ágil e elegante octogenário mineiro, que tem corpinho de sessenta.
Ele não exagera nem na comida nem na bebida. Uma taça de vinho basta para acompanhar o prato de pasta do ex-editor de revistas de moda, turismo e social, que pretende relançar ainda no primeiro semestre o Mundo Vip, suspensa em 2016, que chegou a ter 82 páginas numa edição especial.
Com a pandemia do novo coronavírus, a população precisou se confinar, vivendo a maior parte do dia dentro de casa, sem se relacionar com outras pessoas que não sejam do convívio diário. No entanto, os meses foram passando e a situação melhorou, favorecendo a elaboração de projetos que propõem uma interação maior entre os vizinhos. Foi o que pensou Maira Coelho, 54 anos, prefeita da Quadra 101, no Sudoeste. Ela, junto a outros moradores, criou a Feira da Quadra SQSW 101. “Nós começamos esse evento em outubro do ano passado, com a ideia de promover o melhor relacionamento entre os moradores”, explica.
Segundo a prefeita de quadra, a peculiaridade de Brasília, por ser uma capital, faz com que as pessoas se conheçam muito pouco. “Todos têm uma vida muito atribulada, saem cedo e voltam tarde, então não é muito difícil ter essa interação entre as pessoas. Muitos, inclusive, vêm para cá com tempo determinado para ocupar um cargo e acabam não estreitando relacionamento com seus vizinhos”, aponta Maira. Desta forma, ela começou a identificar alguns moradores que seriam potenciais empreendedores. “Pessoas que fazem salgados, doces ou até mesmo artesanato e que vendiam para o comércio ou para outros pontos de venda”, comenta. “E aí tivemos a ideia de começar uma feira com os moradores da quadra, que é uma oportunidade de eles venderem, divulgarem seus produtos, além de se conhecerem”, diz a idealizadora.
Maira ressalta que o fato de as pessoas ficarem confinadas, por conta da pandemia, também foi um ponto de partida para o projeto. “Algumas pessoas que estavam somente em casa, muitas delas deprimidas, começaram a se programar para vir até a feira. Então, creio que a feira estimula e dá às pessoas a esperança, não só de vender, mas de expor o produto e conversar, ter uma dinâmica diferente na sua vida”, esclarece.
Interação
Uma das expositoras da feira é a assistente social Tatyane de Camargo, 43. A moradora da quadra 101 vende seus cosméticos naturais, de aromaterapia e fitocosméticos desde a primeira edição e, para ela, a iniciativa ajudou — ainda mais — seu negócio. “Apesar de alguns moradores já conhecerem meu trabalho, muitos vizinhos, até mesmo do meu bloco, só passaram a conhecer os produtos depois da criação da feirinha”, frisa. “Tem sido bastante rica essa troca com os vizinhos e colegas. Muitos já compravam meus produtos antes mesmo da feira, mas agora nós passamos a marcar as entregas para os dias em que ela ocorre. Além disso, a exposição aqui aumentou a minha renda com as vendas dos cosméticos e o meu rol de conhecidos e de clientes”, esclarece.
Outra moradora da quadra que também participa da feira é Luciene Lontra, 60. Junto a sua irmã, ela vende vários tipos de alimentos congelados e, assim como Tatyane, acha que a ideia de criar o evento foi muito boa para o relacionamento entre os vizinhos. “Muita gente que expõe e/ou frequenta aqui, eu não conhecia antes e passei a interagir por causa da iniciativa”, afirma. “Os vizinhos estão dando muito apoio. Além disso, as crianças amam quando acontece a feira. Então, penso que a criação da feira não tem nem nota para dar”, brinca Luciene.
A moradora do bloco H diz que também vendia os produtos antes da feira, mas concorda que a utilização do espaço deixa tudo melhor. “Aqui é mais aconchegante tanto para nós, vendedores, quanto para quem frequenta, porque dá a possibilidade de conversar, podemos fazer tudo sem ter pressa”, observa. Além do lado comercial, Luciene diz que, particularmente, o evento também colabora na questão social. “Não conhecia, praticamente, nenhum vizinho. Com a feira, a gente conhece várias histórias, seja dos expositores ou de quem mora aqui e passei a interagir muito mais com os vizinhos, criando um laço melhor. É muito agradável”, confirma. “Eu mesma não sabia que a Tatyane vendia os cosméticos, apenas com a feira tive conhecimento disso. Descobri que somos vizinhas na quadra e na feira”, comenta.
Dever cumprido
Maira comemora que o objetivo principal da Feira da Quadra SQSW 101 tenha sido atingido em tão pouco tempo. “Nas duas quartas-feiras do mês que a gente promove o evento, por conta das atrações diversificadas, percebemos um aumento na interação, participação e opinião do público — sugerindo às vezes um novo expositor, horário ou músico para tocar na feira”, afirma. Imaculada Mantovani, 77, reside na quadra desde que ela foi construída, em 1999, e concorda que a feira ajudou bastante na questão da convivência. “Eu moro sozinha, então, isso é bom, pois acabo encontrando e criando uma relação com pessoas que moram próximas a mim, e eu nem imaginava. Todos os moradores ficaram felizes com essa iniciativa”, afirma. Para ela, com o passar das edições, a feira deve aproximar ainda mais a vizinhança, criando laços mais estreitos entre os moradores.
Algo que é percebido por Tatyane. Ela conta que o evento fortaleceu suas amizades. “(A feira) fez com que eu reencontrasse algumas colegas que não via mais, porque as crianças vão crescendo e não brincam tanto nos parquinhos”, lembra. “Então, ter esse momento a cada 15 dias, é muito importante para que a gente possa voltar com as amizades”, conclui a assistente social.
A servidora pública Gabrielle Cunha, 29 anos, e o empresário Luis Alberto Cueto, 65, criaram uma amizade a partir de um ponto em comum, o amor pelos pets. Eles eram vizinhos quando a história teve início e, mesmo depois que Gabrielle teve que se mudar, mantiveram o contato entre eles e também entre os animais.
“Os pets têm esse dom de unir as pessoas”, ressalta Gabrielle Cunha, dona da Filha, 3, uma cachorrinha da raça Lhasa Apso. Foi graças à sua pet que ela conheceu Luis Alberto. O empresário é dono da cadela Chanel, da mesma raça, 2, e mora no Sudoeste junto a sua cadelinha. Segundo a servidora pública, o primeiro contato entre os animais aconteceu pouco tempo depois que ela se mudou para o prédio onde Luis e Chanel moram. Certo dia, coincidiu de ambos levarem as cachorrinhas para passear no mesmo horário. “Chanel e Filha começaram a brincar e pular uma em cima da outra”, lembra Gabrielle.
“O Luis, que sempre foi muito gentil, falou que se eu quisesse deixar elas juntas, para que não ficassem sozinhas, poderia contar com ele a qualquer hora”, conta a servidora. E os “serviços” acabaram sendo necessários, pela primeira vez, alguns meses depois do primeiro contato entre Chanel e Filha. “No ano passado, depois que o período mais intenso da pandemia tinha passado, marquei uma viagem de 20 dias para visitar minha família, no Rio de Janeiro. Tinha combinado com outra pessoa de ficar com a Filha, só que ela, na última hora, não podia e acabei ficando sem saber o que fazer”, recorda.
Gabrielle diz que chegou a considerar colocar seu animal de estimação em um hotel, mas teve receio. Foi quando ela lembrou do que Luis havia dito no primeiro encontro entre as pets. “Perguntei se ele poderia cuidar dela durante a viagem. Ele aceitou prontamente e foi um sucesso. A Filha ficou muito bem na casa dele”, destaca. “Quando voltei, ela estava tão apegada e feliz com o Luis, que quase esqueceu a própria tutora”, brinca a servidora.
Desde então, os dois sempre trocaram favores do tipo, de acordo com Luis Alberto. “Quando a mãe (Gabrielle) dela viaja, cuido da Filha e dou o mesmo amor que a Chanel recebe”, diz com satisfação. A servidora pública dá mais detalhes: “E não é só em viagens. Em qualquer situação que precisamos nos ausentar durante um período mais prolongado, para que elas não fiquem sozinhas, nós deixamos uma na casa da outra. Várias vezes eu precisei sair e o Luis ficou com as duas, ou o contrário”, acrescenta. E o dono da Chanel não mede palavras ao comentar sobre as estadias da Filha em sua casa. “Para mim, é um privilégio quando preciso cuidar dela, não importa o tempo. Se for preciso ficar um ano com a Filha, vou amar”, destaca.
Opostos que se atraem
Luis conta que, quando estão juntas, Chanel e Filha sempre se divertem. No entanto, ele brinca, dizendo achar estranho como acabaram criando laços tão fortes. “Elas ficam muito bem adaptadas uma na casa da outra, e isso é bastante peculiar porque, apesar de a Chanel ser sociável, a Filha é mais retraída”, diz o empresário. Gabrielle comemora que essa aproximação tenha dado certo. “Dá para dizer que essa amizade foi boa para a sociabilidade da Filha, que passou a aceitar melhor o contato das pessoas”, afirma.
Os dois reforçam que, apesar de ainda não possuírem um relacionamento longo, as cadelinhas já têm histórias interessantes. “Sempre que uma vai até a casa da outra, já sabe o caminho certo”, aponta Luis. “Quando venho aqui com a Filha, ela nem pensa em ir para o apartamento antigo em que eu morava, vai direto para a casa do Luis”, detalha Gabrielle, que também conta outra situação engraçada. “Certa vez, quando ainda morava no Sudoeste, estava passeando com as duas em um local onde as pessoas costumam ir para jogar tênis. A Chanel invadiu a quadra e roubou as bolinhas. Pedi desculpas e justifiquei, afirmando que ela só queria brincar”, acrescenta.
Amizade expandida
Os vizinhos contam que, de forma inevitável, a aproximação entre Chanel e Filha fez com que eles também criassem uma amizade. “Eu e Gabrielle nos aproximamos da mesma forma que elas, espontaneamente. Desenvolvemos um relacionamento tão bom, que chega a parecer que somos da mesma família”, considera o empresário. “A gente sai juntos em passeios no parque, com as cadelinhas. Também almoçamos ou jantamos juntos. Nossa amizade é tão forte quanto a que elas têm”, afirma Luis.
A conexão se tornou tão forte que, mesmo depois de Gabrielle se mudar — do Sudoeste para a Asa Sul —, os agora “ex-vizinhos” mantiveram o contato entre os pets. “Me mudei do prédio há cerca de um mês. Mesmo assim, combinamos de manter o contato entre Chanel e Filha — para que elas possam brincar — assim como entre a gente. Então, a amizade está sendo mantida, apesar da distância”, conclui a servidora pública.
Já se vão 52 anos desde que os Beatles oficializaram o fim da carreira. Em 1970, John, Paul, Ringo e George colocaram um ponto final em um dos projetos musicais mais importantes do século 20. O legado, porém, se perpetua até hoje. As canções compostas nos anos 1960 em Liverpool, na Inglaterra, extrapolaram as fronteiras do espaço e do tempo e chegaram até o Lago Sul, em 2022. O quarteto é motivo de encontro para debates regados a vinho entre os vizinhos Eduardo Levy e José Alexandre, que compartilham da paixão e de uma coleção invejável de artigos sobre a banda.
O carioca Eduardo, que é mais conhecido como Levy, rememora a infância no Rio de Janeiro. Em uma descrição que pinta uma cidade que já não existe mais, ele conta sobre os papos no paredão da Urca e as descobertas musicais. Nos anos 1960, ainda no colégio, Levy descobriu a Modern Sound, uma loja de discos situada na rua Barata Ribeiro, coração de Copacabana. O estabelecimento, que se tornaria um marco cultural da cidade, trazia uma coleção de discos atuais do mercado internacional. Eduardo teve, enfim, a oportunidade de conhecer um tal quarteto que fazia um certo barulho mundo afora. Para praticar um pouco do inglês, ele levou para casa uma “bolacha” dos Beatles e nunca mais foi o mesmo. Hoje, aos 70 anos, ele trocou de capital, mas a idolatria permanece.
José Alexandre não sabe precisar quando, nem por que o amor pelos Beatles se deu. Talvez, a mãe, que tinha uma conexão com a música, pudesse tê-lo introduzido; ou, porventura, o aprendizado do piano tenha sido a chave, já que, ainda que primorosas, as canções do grupo podem ser tocadas com relativa facilidade. José lembra-se, inclusive, de ter, na adolescência, um cachorro chamado John Paul, em homenagem aos vocalistas da banda. Se o início do amor não pode ser pinado, tampouco o fim. Aos 49 anos, o advogado capixaba, que se considera brasiliense, segue aficionado pelo quarteto de Liverpool e faz questão de compartilhar o interesse com os três filhos, que também são fãs da banda.
A quadra 26 do Lago Sul, na qual os beatlemaníacos residem, conta com uma associação de moradores, cuja presidente é esposa de José Alexandre. Em uma das reuniões, sediada no lar do casal, Levy compareceu e notou a vasta coleção de José Alexandre sobre a banda. Nascia, ali, a amizade pautada pelo interesse comum. Dali em diante, a dupla se encontraria incontáveis vezes sem o pretexto da associação de moradores. Para não dizer que os encontros são estritamente monotemáticos, ambos são categóricos ao afirmarem que há um outro assunto importante: o Flamengo. “Mas os papos inteligentes são sobre Beatles”, brinca José Alexandre.
Quebra-cabeças
Os mais de 20 anos que os separam fazem com que a discussão não se esvazie. Questões geracionais, além dos gostos pessoais, entram em jogo e trazem visões distintas sobre cada uma das peças do vasto quebra-cabeças que é a obra completa dos Beatles. Se José Alexandre aponta Blackbird como a grande canção, Abbey Road como o melhor álbum e George Harrison como o Beatle preferido, Levy enaltece Yesterday, prefere o Álbum Branco e condecora Paul McCartney como o melhor do quarteto.
Além do extenso catálogo, a banda, para a sorte do duo, gera frutos mesmo após meio século de rompimento. Livros, filmes e documentários novos com materiais inéditos estão sempre à disposição todos os anos. As vozes de José e Levy também já se misturaram à da legião de fãs nos shows de Paul McCartney, ativo até os dias de hoje em carreira solo. Para cada novidade, ou no simples prazer de reavivar um disco antigo, basta abrir o vinho, acionar o vizinho e deixar o som rolar.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
O cheiro que exala da chapa ou o aroma de um bolo caseiro recém-saído do forno são suficientes para atiçar o olfato dos moradores à volta. No caso de Adriana Nunes, comediante do grupo Melhores do Mundo, o perfume da cozinha trouxe o vizinho, como em um desenho animado, à porta de casa. O que ela não sabia é que, ao abrir, encontraria Roberto Carlos Varejão de Freitas, o Beto, um velho amigo.
Beto não é, tecnicamente, brasiliense, mas se considera um, afinal chegou de Recife com apenas 1 ano de idade. Falar sobre boa vizinhança parece abrir uma fenda de nostalgia na memória dele. Morador da Asa Sul, ele rememora um tempo em que as boas relações entre os moradores eram a lei. As portas dos apartamentos estavam sempre abertas, literal e figurativamente. Os gramados eram tomados pelas amizades que não cabiam apenas no pilotis.
Ter crescido neste clima amistoso o moldou de forma que sua atual residência já foi confundida por transeuntes com uma casa de festas. Basta qualquer desculpa surgir para que ele abra a garagem, disponha as mesas no gramado e ponha música para tocar. Quando não está com uma festa planejada, Beto comanda um quiosque de lanches na 215 Sul. Desde 1986 no ponto, ele comenta que recebe filhos adultos dos originais frequentadores do espaço. Nos 36 anos de comércio e com um sem-número de clientes assíduos, uma trupe de comédia que batia ponto por ali acabaria por se destacar na cidade.
Em 1995, por acaso, em 21 de abril daquele ano, a companhia de comédia Melhores do Mundo foi oficialmente criada. No sexteto original, que segue junto até hoje, havia Adriana Nunes. Formada pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, a atriz já passou por uma gama de trabalhos até se encontrar na comédia. Com o grupo, por fim, se estabeleceria como uma das grandes comediantes de Brasília e ganharia visibilidade nacional. Peças como Jingle béus, Notícias populares, Hermanoteu na terra de Godah e Sexo — a comédia estão cravadas na mente do público. Adriana participou, também, do Zorra total, programa de comédia da Rede Globo.
Em dado momento da carreira do grupo, Os Melhores do Mundo foram residentes, por aproximadamente uma década, no Teatro dos Bancários, na comercial da 314 e 315 Sul. Para brindar a casa lotada ou para simplesmente matar a fome acumulada do dia corrido, um bom lanche rápido caía bem. E o quiosque do Beto ficava a apenas uma tesourinha de distância. Por vezes, ele foi o responsável por alimentar a trupe no fim da noite.
A mãe de Adriana, com aversão a manter-se no mesmo local por muito tempo, se mudou diversas vezes dentro de Brasília. Antes de ter a própria independência, a comediante a acompanhava nas aventuras para habitar novas casas. Mais recentemente, a última mudança foi para Pirenópolis. Adriana, que já vivia com a própria família, resolveu reviver os tempos de mãe e filha e foi passar o tempo pandêmico na mesma cidade. Para a comodidade dos filhos, porém, era necessário ter um local em Brasília. A atriz encontrou uma residência na Asa Sul que funciona como uma espécie de vila. Os vizinhos compartilham de uma área comum no fundo das casas. Interessada pelo conceito, que traz proximidade e segurança, Adriana fincou bandeira por lá.
Animada com o novo lar, a artista preparou um bolo especial e logo pôs no forno. No tempo do fermento dar corpo à massa e dos aromas se espalharem, alguém bate à porta. Era Beto. Aquele que, por vezes, serviu Adriana seria, agora, servido por ela. O pedaço de bolo com café propiciou, bem à moda brasileira, uma conversa para que os amigos colocassem o papo em dia e se atualizassem após tantos anos de amizade. O filho de Beto, hoje adulto, confessou a Adriana que tentava acompanhar o pai nas apresentações do grupo, mas que acabava ficando de fora por não ter idade para assistir aos espetáculos. Se Beto recebia a segunda geração de frequentadores do quiosque, Adriana estava diante da segunda geração de fãs. Por fim, a mesa desta relação estava posta e farta. O cheiro que sai da chapa ou o aroma de um bolo caseiro recém saído do forno são suficientes para reatar a amizade dos moradores à volta.
Vou falar de vizinhos peculiares: os macacos-pregos. Não os escolhi. A convivência com animais silvestres é uma das singularidades de Brasília. Moro em um condomínio horizontal, fronteiriço a uma mata cerrada. A chegada dos macacos é mágica. De repente, você ouve um barulho de mato se mexendo. Só que é um alvoroço aéreo, em cima das árvores, de galho em galho, a 10 ou 15 metros de altura.
Eles formam uma turma simpática, mas bagunceira. Fazem acrobacias de deixar o Cirque du Soleil no chinelo. Nunca vi nenhum macaco despencar do alto por um movimento em falso. E não revelam extrema destreza apenas no espaço aéreo.
Certa vez, fiquei apreensivo, pois um macaco teve a ideia temerária de transitar sobre uma cerca de arame farpado. Evitei gritar, permaneci estático, imóvel como a estátua do silêncio, com medo de assustá-lo e provocar um acidente. No entanto, com incrível habilidade, ele atravessou toda a extensão do fio farpado, incólume, tranquilamente, sem sequer dar uma olhadinha no lugar em que pisava.
Quando os vejo em acrobacias, tenho vontade de dizer o mesmo que Rubem Braga falou a um sujeito que fazia malabarismos em uma corda suspensa em cima dos prédios, a mais de 20 metros de altura: “Eu quero ver é aqui embaixo”.
Em uma madrugada brasiliana, acordei assustado com o barulho do que me parecia um pagode ou uma pelada em cima do telhado. A zoada se dirigia para um lado e, em seguida, guinava, abruptamente, para outro. Levantei voado da cama, em dúvida se estava sonhando, na tentativa de desvendar o enigma. De repente, avistei a silhueta de um macaco no alto de uma faixa de vidro e dei uma bronca.
Não foi suficiente para afugentá-los. Abri a porta da sala e joguei uma pedra nas árvores próximas, só para dispersar. No entanto, em razão talvez da falta de aquecimento e da rotina de exercícios físicos, torci o braço e tive de fazer fisioterapia durante mais de um mês. E o pior é que o fisioterapeuta estava mais preocupado com a saúde dos macacos do que com a minha: “E os macaquinhos? Cuida bem dos macaquinhos, hein?”, recomendava sempre.
Nas férias, resolvi botar moral na macacada. Armei uma rede, peguei um livro para ler e fiquei de plantão. Quando se aproximavam, eu os espantava. A situação estava sob controle e ia bem. No entanto, numa tarde, ouvi um barulho, prestei atenção e levei um tremendo susto. Vi o que me parecia ser um macaco de duas cabeças.
Todavia, observando melhor, constatei que era apenas uma mãe com o filhote nas costas. Ela me mirou com os olhos pungentes, faiscantes e interrogativos, como se perguntasse: “Não vai me deixar alimentar meu filhote?”
Aquela cena minou-lhe a convicção saneadora. Liberei a mangueira e, desde esse dia, perdi a moral com a macacada. No período das chuvas, eles quebraram oito telhas e desarrumaram 22. As goteiras se espalharam pela casa, pingava para todos os lados. Os meus dois netos, Aurora, 8, e Judá, 4, abriram guarda-chuvas para transitar pela sala e levar baldes para recolher a água que gotejava.
Pedi ao senhor Hermínio para subir no telhado e arrumar. Fui eu quem invadiu o território deles. Mais recentemente, tive de suprimir algumas árvores para construir um muro de divisa com vizinhos e a macacada arrefeceu a bagunça no telhado. Esses macacos aprontaram tantas que viraram personagens de caderno especial.Salvaram-me muitas vezes. Valeu, macacada!